28 de set. de 2013

Tape o nariz e preste atenção na grande mídia

Quem quer transformar a sociedade radicalmente precisa contar com a grande maioria explorada e oprimida. Só a ela interessa revolucionar tudo e se livrar dos exploradores e opressores.

O problema é como convencer a grande maioria dos explorados e oprimidos de que essa mudança radical é possível. Afinal, as ideias dominantes em uma sociedade de classes são as ideias da classe dominante, como disseram Marx e Engels.

O conservadorismo predomina. Não o pior tipo de conservadorismo, aquele que defende pena de morte, racismo etc. Mas a ideia de que a sociedade que temos é a única possível. Por isso, cada um deve tentar conservar o que tem. É o que Gramsci chamou de senso comum.

Os revolucionários precisam conhecer este senso comum. Dialogar com ele para buscar maneiras de desmentir seus valores conformistas. Descobrir nele elementos contestadores capazes de justificar a necessidade de agir para mudar.

Mas como conhecer o senso comum? Como saber o que vai na cabeça do povo? Uma das formas mais importantes é prestar atenção no que as pessoas comuns dizem. Não apenas no que fala a militância.

Seria ótimo se não fosse o fato de que vivemos em uma sociedade de massas. Um meio em que crenças, preconceitos, convicções, conceitos, valores, opiniões circulam no atacado e formam um material ideológico que justifica a dominação.

Se tivéssemos poder econômico, poderíamos contratar institutos de pesquisa pra fazer grandes estudos sobre tudo isso. Mas se tivéssemos poder econômico, estaríamos do lado de lá, não do lado de cá.

Grandes atacadistas encarregados de distribuir aquele material ideológico são os meios de comunicação. Mais especialmente, a grande mídia monopolizada e a serviço dos poderosos.

Portanto, não tem jeito. Pra saber o que, mais ou menos, vai na cabeça do povo, tem que prestar atenção na grande mídia. Inclusive, talvez principalmente, em seus canais mais repulsivos e nojentos.

Isso quer dizer que não adianta ler apenas Brasil de Fato, Carta Maior, Carta Capital, o jornal de seu partido e o boletim do sindicato. Tem que, pelo menos, saber o que estão dizendo e defendendo porcarias como a Veja, Globo, STB etc.

Programas de grande audiência também devem ser acompanhados. Mesmo os de entretenimento. São neles que os valores mais conservadores circulam em formato de diversão e entram na cabeça das pessoas. São as piadas cheias de preconceitos de um “Zorra Total”. É a caridade humilhante de um Luciano Huck. O sutil e sedutor conformismo das novelas.

É preciso ler veículos mais “sérios”, também. Aqueles em quem a burguesia confia, porque saem do nível das fofocas, calúnias, mentiras. Neles as análises são mais precisas e complexas. É o caso de alguns colunistas da grande imprensa, de jornais como o Valor Econômico e alguns programas noticiosos e documentários da TV paga.

Tudo isso é necessário não apenas para saber que material ideológico circula e, assim, melhor combatê-lo. É imprescindível também para não cairmos na lógica das seitas e grupelhos que só falam consigo mesmos. Uma prática que ainda faz muito estrago na esquerda.

Ou seja, pregador no nariz e olhos na grande mídia. Como consolo, você vai poder assistir aquele filme de ação, a novela, o jogo de futebol e muitas porcarias sem tanto peso na consciência.

20 de set. de 2013

Novas mídias e velhas barricadas: limites parecidos

Em 08/09, Eduardo Febbro publicou excelente entrevista com Jacques Henno na Carta Maior. No depoimento intitulado “Estamos todos vigiados e fichados”, o francês, especialista em novas tecnologias, alertou para o surgimento de “uma nova era marcada pelo nascimento de um lobby entre os militares, a informática, os dados e os arquivos”.

A introdução à entrevista destaca: “a Agência Nacional de Segurança estadunidense (NSA) rouba chaves de segurança, altera programas e computadores e força certas empresas a colaborar com o objetivo de ter acesso a comunicações privadas, tanto dentro como fora do território norte-americano”.

Ainda segundo o texto de Febbro com base na entrevista de Henno: “A NSA não respeitou limite algum: correios eletrônicos, compras na internet, rede VPN, conexões de alta segurança (o famoso SSL), acesso aos serviços de telefonia da Microsoft, Facebook, Yahoo e Google, a lista dos novos territórios de caça é interminável”.

O entrevistado dá exemplos de como a espionagem americana desenvolve um serviço de rastreamento muito eficaz, amplo e detalhista. O que adquirimos com nossos cartões magnéticos, ou pela internete, pode colocar qualquer um de nós na lista de suspeitos por terrorismo, por exemplo.

É o caso de alguém que compre uma passagem para a classe executiva em um voo. Se essa pessoa nunca fez isso antes e não tem rendimento médio que justifique a compra, pode se tornar alvo de ações repressivas. A classe executiva fica próxima à cabine dos pilotos da aeronave e seria a preferida  de quem pretendesse executar um sequestro.

Como resume muito bem Henno:

“... os norte-americanos exploram todas as informações que obtém de uma pessoa. Eles são, ao mesmo tempo, paranoicos e amantes da tecnologia. Paranoicos porque há muito tempo vivem armados. E amantes da tecnologia porque, cada vez que há um problema tratam de encontrar uma solução técnica e não forçosamente social ou econômica”.

O pior, diz o especialista, é que nós mesmos é que alimentamos esses grande banco de dados paranoico. Basta possuir uma conta de uma empresa estadunidense, como Yahoo, Microsoft, ou Google. “Se os dados que confiamos a Yahoo, Microsoft, Amazon, Facebook ou Google estão armazenados no território norte-americano, eles estão regidos pelo direito norte-americano”, diz Henno. E a legislação aprovada depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos permite ao governo norte-americano “requisitar os arquivos e dados que julgar necessários. Os dados que entregamos a essas empresas vão parar na NSA”, conclui.

A entrevista tem muitas outras informações importantes para a militância social. Diz, por exemplo, que no Facebook se publicam diariamente 350 milhões de fotos. Em um ano, são quase 130 bilhões de imagens. É a “maior base de imagens do mundo”, diz Henno. E muitos de nós o alimentamos todos os dias.

Diante disso, o que fazer? Poderíamos deixar de utilizar as novas mídias? Voltaríamos a nos comunicar apenas por papel impresso, a utilizar os correios, discutir e decidir tudo presencialmente? Infelizmente, não. Essa questão lembra um texto do revolucionário alemão Friedrich Engels. Em 1895, ele escreveu uma introdução para “As Lutas de Classes na França”, escrito por Marx, em 1850.

Em um determinado trecho, Engels aborda a questão militar. Avalia as dificuldades dos movimentos de insurreição para fazer frente aos novos arsenais da burguesia:

“Em 1848, era o simples fuzil a percussão; hoje em dia é o fuzil de repetição de pequeno calibre que atira quatro vezes mais longe, dez vezes mais certeiro e dez vezes mais rápido do que o primeiro. Antigamente, eram as granadas e os obuses de artilharia, relativamente pouco eficazes; hoje em dia, são os obuses a percussão, dos quais um só é suficiente para por em cacos a melhor barricada. Antigamente, era a picareta para derrubar muros; hoje em dia, são os cartuchos de dinamite”.

Essa situação levou Engels a concluir que a luta a partir de barricadas seria cada vez mais arriscada e facilmente derrotada pelas classes dominantes.

Muitos socialistas utilizaram esse trecho de Engels para justificar suas posições reformistas, de conciliação e traição às causas da luta proletária. Mas para fazer isso, esse pessoal costumava omitir um trecho do texto de Engels que não admitia essa conclusão. Dizia o seguinte:

“Isso quer dizer que no futuro o combate de rua não jogará nenhum papel? De jeito nenhum. Isso apenas quer dizer que as condições desde 1848 se tornaram muito menos favoráveis para os combatentes civis e muito mais favoráveis para as tropas. Um combate de rua não poderá, então, no futuro, ser vitorioso sem que essa inferioridade de situação seja compensada por outros fatores”.

Voltando às graves denúncias de Jacques Henno, talvez possamos fazer um paralelo com a situação abordada por Engels. Nossas barricadas nas mídias virtuais estão perigosamente minadas. Estamos na alça de mira das armas inimigas. Acreditar que somente a partir de nossos blogs, sites e contas virtuais seremos capazes de alterar essa situação de desvantagem é perigosa ilusão.

Como diz Engels, teremos que compensar essa situação inferioridade com outros fatores. Entre eles, a criação de uma verdadeira imprensa dos setores explorados e oprimidos. Capaz de construir seus próprios instrumentos reais. Que conte com a colaboração de partidos de esquerda, sindicatos combativos, associações e entidades populares e movimentos sociais em geral. Além disso, é fundamental a destruição do monopólio das comunicações. Tarefa que os governos que ajudamos a eleger se mostraram covardemente incapazes de cumprir.

13 de set. de 2013

O Globo continua em sua guerra suja contra a liberdade

Um texto anterior deste blog abordou a disponibilização pelo Globo de seu próprio acervo. Destacou, principalmente, o apoio do periódico ao golpe militar de 1964. Avaliou que a abertura ao público dos “11 milhões de documentos” do jornalão poderia ter como objetivo tornar menos visíveis episódios vergonhosos, como o apoio do diário carioca à ditadura que se seguiu ao golpe.

Mas, logo depois, o Globo não só reconheceu a postura favorável à implantação da ditadura de 64, como pediu desculpas por isso. Em 31/08, publicou o editorial “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”.

O texto afirma que “há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro”. E que a decisão de tornar pública esta avaliação aconteceu há alguns meses, quando o projeto “Memória” estava sendo estruturado.

Desde a publicação do editorial, muita gente da imprensa alternativa escreveu bons textos sobre a decisão do jornalão. Entre eles, destaca-se o de Fernando Brito que, em seu blog Tijolaço, recusa o pedido de desculpas e diz que não se tratou de um erro, mas de um crime.

Marco Aurélio Weissheimer também publicou bom texto na Carta Maior, e apresentou uma coletânea de frases publicadas nas redes virtuais, ironizando o episódio. Como estes, há muitos outros que podem ser encontrados nos melhores blogs e sites alternativos. Portanto, este texto teria pouco a acrescentar. A destacar apenas alguns pontos.

Em primeiro lugar, o editorial de O Globo afirma que o jornal esperava uma rápida passagem dos militares pelo governo e a devolução deste aos civis, com a realização de eleições livres. Mas, diz o texto, “o desenrolar da ‘revolução’ é conhecido”: “Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa”.

O “desenrolar da revolução” também mostrou as organizações Globo completamente à vontade com a situação ditatorial. Não basta afirmar que Roberto Marinho protegia os “comunistas” que trabalhavam para ele. Nem que acompanhava “seus jornalistas” nos depoimentos a que eram convocados pelos órgãos de repressão para que não desaparecessem.

Nada disso é suficiente quando o conjunto das organizações Globo trabalhava pela legitimação deste mesmo regime que perseguia “comunistas” e desaparecia com jornalistas. É como agiria um senhor de escravos que não deixa matarem seus cativos para não sofrer prejuízo em seu patrimônio.

Também não é suficiente afirmar que Marinho sempre defendera a legalidade. Muitas das leis vigentes sob a ditadura eram injustas, abusivas, desumanas. Denunciá-las e desafiá-las. Esta era a obrigação de um jornal que zelasse pela liberdade e pela justiça. Colocar-se, inclusive, na ilegalidade, como muitos jornalistas verdadeiros fizeram. Mas as Organizações Globo estavam preocupadas em subverter outras leis. As da livre concorrência. Por isso, montaram um dos maiores monopólios de mídia do mundo, precisamente sob as leis ilegítimas da ditadura militar.

Por fim, a conclusão a que o último texto desta coluna chegou não estava totalmente errada. O Globo não escondeu sua postura vergonhosa em relação ao golpe de 64. Evidenciou-a e por ela pediu desculpas. Mas o próprio ato esconde mais do que mostra. Espera, com isso, colocar uma pedra sobre o assunto e aliviar a pressão que vem sofrendo nas manifestações populares.

Continuamos a ser desafiados e, agora ainda mais fortemente, a mostrar que se trata de mais uma manobra. Mais um truque de quem sempre esteve ao lado dos que travam uma guerra suja contra a liberdade.

7 de set. de 2013

Dan Brow: o inferno é aqui

Há um ramo da mídia grande que não chama tanta atenção. Trata-se da indústria dos chamados best-sellers. É verdade que num país como o Brasil, em que a leitura não é incentivada, o setor é minúsculo em relação aos poderosos veículos de radio e TV. Mas é bom prestar atenção. Principalmente, quando se trata de livros que certamente se tornarão longas metragens do tipo que estouram bilheterias.

É o caso de “Inferno”, a mais recente obra do estadunidense Dan Brown. O livro está há 14 semanas na lista dos mais vendidos, ocupando sempre os primeiros lugares. Trata-se do sexto título do escritor e o quarto protagonizado pelo professor de simbologia Robert Langdon.

O pano de fundo é a primeira parte de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Langdon precisa decifrar as mensagens contidas na imagem de uma pintura de Sandro Botticelli. Trata-se da obra, intitulada “Mapa do Inferno” e inspirada no poema de Dante. Ela conteria a chave que permitiria desarmar uma bomba química instalada em algum lugar da Europa.

Basicamente, um cientista genial está convencido de que o planeta não aguenta mais a superpopulação. Seja em relação à produção de alimentos, seja a pressão sobre o meio ambiente, a humanidade estaria se aproximando de um colapso. Por isso, a solução seria se livrar de dois terços da lotação planetária. Oferecer à maior parte da humanidade uma visita antecipada ao inferno.

Como em suas outras obras, o autor mantém um bom ritmo de suspense, prendendo a atenção de quem lê capítulo por capítulo. Em meio a correrias e enigmas, o texto despeja conhecimentos sobre pinturas, esculturas, monumentos e construções históricas, principalmente em Florença e Veneza.

A trama é bem costurada e deve agradar a grande maioria de seus leitores. O que surpreende, no entanto, é a total aceitação da tese do cientista maluco. Na verdade, uma reedição das hipóteses do matemático e demógrafo do século 19, Thomas Malthus. Em sua famosa obra “Ensaio sobre o princípio da população”, ele dizia que a produção de alimentos não acompanharia o ritmo do crescimento populacional. Por essa e outras, o estudioso inglês era contra leis de assistência a pobres, por exemplo.

As teses de Malthus foram refutadas por Marx, na época, e pelo próprio desenvolvimento do capitalismo. Realmente, continua a haver muitos famintos no mundo. Mas não por falta de alimentos. Citemos o trecho de um texto de Ester Vivas sobre isso:

"Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), atualmente, cultiva-se o suficiente para alimentar 12 bilhões de pessoas, e no planeta somos 7 bilhões. Há comida. O problema é: em mãos de quem está a comida? Os alimentos converteram-se em um instrumento de negócio por parte de umas poucas multinacionais da agroindústria que priorizam seus interesses empresariais em detrimento das necessidades alimentares das pessoas. Dessa forma, se não tens dinheiro para pagar o preço cada dia mais caro da comida ou acesso aos meios de produção, como terra, água e sementes, não comes". (Comer insetos para acabar com a fome?)


Além disso, se o meio ambiente já não nos aguenta não é porque nos espalhamos feito uma praga pelo planeta. A raiz do problema está em um sistema que prioriza o lucro. Que só sabe funcionar através da superexploração dos recursos naturais e da força de trabalho da grande maioria de nossa espécie.

O final da trama de Brown praticamente obriga a uma continuação. Mas, neste livro, em momento algum o autor coloca em dúvida a ultrapassada tese de seu vilão. O próprio Malthus é citado sem que nenhuma avaliação crítica sobre suas conclusões seja feita. O herói Langdon apenas se recusa a aceitar a solução defendida por ele.

O resultado da leitura tende a ser uma naturalização do capitalismo e sua transformação em única possibilidade para nossa espécie. Buscar alternativas seria coisa de malucos. Só nos restaria conviver com o caos da melhor maneira possível. Ou seja, “se o inferno é inevitável, relaxa e torra”.