16 de jun. de 2009

Escondendo os demônios da religião e da ciência

Anjos e demônios, de Dan Brown, destaca os conflitos entre religião e ciência. Seria muito melhor se mostrasse como as instituições que controlam essas duas áreas sabem se unir quando se trata de defender os interesses dos poderosos.

Em 2006, Ron Howard já havia feito a adaptação de outro livro de Brown, O Código da Vinci. A trama defendia a teoria de que Maria Madalena foi mulher de Jesus e com ele teve filhos. O Vaticano tentou boicotar a produção, mas só conseguiu chamar mais atenção para o filme. A arrecadação das bilheterias chegou a 760 milhões de dólares.

A cúpula católica não se manifestou sobre Anjos e Demônios. Mas, o silêncio talvez não tenha ocorrido apenas devido ao fracasso anterior. O fato é que a imagem da instituição papal sai sem maiores manchas dessa nova história contada pela produção de Howard.

O filme começa com a morte de João Paulo 2º e a eleição do papa que vai sucedê-lo. Quatro cardeais são seqüestrados pelos Illuminati (Iluminados). Trata-se de uma organização secreta fundada ainda nos tempos da Idade Média. Seus integrantes seriam cientistas em busca de vingança. Uma resposta às perseguições que a Igreja Católica faz contra as atividades científicas há séculos.

O objetivo era matar quatro cardeais e explodir uma bomba que arrasaria boa parte do Vaticano. A tal bomba não passa de algumas partículas de antimatéria obtidas num super-acelerador atômico. Se elas entrarem em contato com a matéria comum, provocariam uma explosão equivalente à de uma bomba atômica..

A missão do herói, Robert Langdon (Tom Hanks) é ajudar a salvar os cardeais e desarmar a bomba. Sua presença não é bem-vinda pelos poderosos cardeais. Afinal, ele é responsável pela ampla divulgação da teoria sobre Maria Madalena. Por outro lado, como é um gênio da simbologia, Langdon saberá decifrar as pistas deixadas pelos Illuminati.

Como se vê, o enredo mostra a forte oposição entre ciência e religião. Realmente, o Vaticano sempre questionou avanços científicos que pudessem colocar em dúvida a fé católica. Um exemplo famoso é a recusa da teoria da evolução das espécies. Somente em setembro de 2008, quase 150 anos depois da divulgação do trabalho de Darwin, a cúpula do catolicismo romano admitiu a correção de sua teoria.

Mas, há posturas da Igreja que têm conseqüências mais graves e imediatas. É o caso dos ataques do papa ao uso de preservativos para combater doenças sexualmente transmissíveis. Algo que pode causar sérios prejuízos à saúde de milhões de católicos que acreditam no mito do papa infalível.

Por outro lado, nada disso autoriza a ciência a se enfiar confortavelmente no papel de anjo. A neutralidade do trabalho científico é um mito que só não é tão velho quanto as idéias da cúpula católica. Pra começar, é só dar uma olhada em volta. A vida humana está seriamente ameaçada de extinção. E os chamados “avanços científicos” têm grande responsabilidade nisso. Toda a agressão ambiental cometida pelas grandes empresas só é possível graças a pesados investimentos em pesquisas feitas nas universidades e nos laboratórios industriais.

Além disso, há casos em que a atividade científica está descaradamente voltada para o lucro. A indústria farmacêutica é um exemplo. Milhões de pessoas pobres morrem todos os anos no mundo porque não podem pagar os altos preços dos remédios vendidos pelos grandes laboratórios. O principal objetivo da indústria farmacêutica não é produzir remédios para curar ou evitar doenças. Seu objetivo maior é ganhar dinheiro fazendo isso. O resto é detalhe.

Ciência e religião são duas formas com que o ser humano tenta explicar o universo e seu lugar nele. É natural que haja divergências entre elas, pois partem de pontos de vista diferentes. Mas, trata-se de um debate legítimo e importante. Os problemas começam quando ciência e religião passam a ser usadas para justificar a dominação e a exploração de uma parte da sociedade pela outra. Geralmente, isso acontece quando são dominadas por grandes instituições.

Desde que a sociedade de classes passou a existir, as instituições sociais tendem a se aliar à classe dominante. Grande parte de seus dirigentes tem como objetivo maior fazer parte do grupo socialmente privilegiado.

As disputas envolvendo as igrejas entre si ou com outras áreas, como a academia, são reais e muito duras. Porém, elas têm pouco a ver com a busca pela revelação divina ou pela certeza científica absoluta. É muito mais uma briga para conquistar influência social e poder político e econômico.

Claro que nem Howard nem Brown pretendiam fazer esse debate. Mas, o final do filme dá a entender que o problema do Vaticano não é sua estrutura autoritária, conservadora, repressora. O problema são só alguns sacerdotes mal-intencionados no meio de bondosos cardeais e bispos. A moral do filme é a de que as diferenças entre ciência e religião podem ser superadas em nome da defesa do bem comum.

O fato é que o cinema comercial também tem seu papel institucional: ajudar a manter a ordem atual. Faz parte disso mostrar anjos e demônios se entendendo e esconder aquilo que realmente os une. E o que é capaz de unir as cúpulas da academia e das igrejas é a manutenção da atual sociedade, injusta e destruidora da vida.