25 de ago. de 2010

Análise da realidade, disputa de hegemonia e grande mídia

(Texto de novembro de 2006)

A chamada análise de conjuntura é um instrumento importante para definir os rumos mais acertados para a atuação da esquerda socialista. Qual é o peso da grande mídia tanto nela, como na própria realidade? Como dar combate a seu monopólio buscando disputar a hegemonia usando nossos próprios meios de comunicação?

Nos últimos 50 anos, a burguesia aperfeiçoou a grande mídia como um de seus aparelhos de hegemonia mais poderosos. Se as igrejas perderam força em sua influência direta, elas a vêm retomando utilizando-se exatamente das TVs, rádios e jornais próprios. Se a família e a escola formavam os futuros adultos, agora divide com desvantagem esse papel com a programação de rádios, tevês, filmes, publicações. Instrumentos que impõem verdadeiros padrões de consumo, comportamento e formas de enxergar a realidade. Por outro lado, sindicatos, partidos, associações e outras organizações que tentam questionar a dominação burguesa estão cada vez mais reduzidos à impotência diante da enorme concentração do controle das comunicações nas mãos de poucos empresários do setor.

Segundo alguns autores, as empresas de meios de comunicação são aparelhos privados de hegemonia que ficaram tão poderosos que atualmente agem como tendências de um grande partido de apoio à burguesia (Venício A. de Lima). E para isso ela conta com uma característica fundamental. Trata-se de sua capacidade de monopolizar a distribuição de praticamente toda a informação que chega à sociedade. Como vivemos numa sociedade em que a vida social depende muito da informação em grande escala, a grande mídia controla esta última de maneira esmagadora. Ao mesmo tempo, os lucros dessa verdadeira indústria dependem do funcionamento tranqüilo do capitalismo. E é para isso que ela trabalha.

É nesse sentido que em uma análise de conjuntura teremos que levar em conta três aspectos relacionados entre si. Primeiro, as informações que chegam à maioria das pessoas estão carregadas de valor ideológico. Segundo, sendo assim, elas podem não ser verdadeiras, ou podem estar distorcidas ou incompletas, mas sua própria presença acaba colaborando para moldar a realidade segundo seus interesses. Uma notícia sobre algum evento pode ser falsa, mas as conseqüências causadas por essa falsidade serão muito reais. Terceiro, uma parte dessas informações não pode ser totalmente falsa sob pena de confundir até mesmo setores da burguesia. É o caso dos números da economia. Estes não podem ser falsificados sem que sejam afetados os investimentos de vários setores da burguesia. No máximo, o que se permite é destacar algumas cifras e esconder outras. Mas, essa manobra precisa ficar evidente a quem interessa.

Como fazer análise de conjuntura ou como trabalhar com a comunicação para fazer a disputa da hegemonia

A análise da realidade não pode deixar de levar em conta o enorme peso ideológico das informações socialmente conhecidas com todas as suas conseqüências. Mas é preciso distinguir dentre todas essas informações, aquelas que são apenas tendenciosas e as que mostram com mais proximidade os movimentos da economia, das relações sociais e das posições políticas que interessam à burguesia. Esta diferenciação fica mais clara se pensarmos em publicações como a revista Veja e o jornal Valor Econômico. A primeira comporta-se como um panfleto, cujas informações são distorcidas ao máximo em favor dos interesses dos capitalistas. Seu público é basicamente formado por pessoas de classe média, cujas consciências a burguesia procura ganhar para pontos de vista conservadores. O segundo, defende os mesmos interesses, mas o faz com análises e informações o mais precisas possível pois se dirige a um público específico. São empresários, financistas, formadores de opinião, que dependem da exatidão tanto dos dados, como do foco apresentados. O Valor Econômico, por exemplo, não deu qualquer destaque ao caso da morte de João Hélio, em 2006. E não o fez porque entendeu que o fato não se mostrou relevante para alterar o quadro social e político mais geral. Enquanto isso, quase todo os outros veículos de comunicação tentaram fazer o contrário. Tentaram aumentar o peso do fato para que fizesse efeito sobre o quadro político em favor de valores e medidas conservadores. Se conseguissem, aí, sim, provavelmente, o Valor talvez tivesse apresentado suas análises sobre o caso.

Para usar mais um exemplo, vejamos o caso das mudanças nas regras de exploração do gás na Bolívia, em maio de 2006. Jornais como O Globo, JB, Folha, e as revistas Veja e Isto É e seus colunistas fizeram um grande alarde sobre desrespeito a contratos, encampação de propriedades brasileiras etc. Mas, os colunistas e editorialistas do jornal Valor Econômico deram a esses fatos uma dimensão bem menos assustadora. Não porque apoiassem o governo boliviano e suas medidas. Mas, porque sabiam que o governo brasileiro teria que agir com calma para não comprometer a estabilidade política do país vizinho. Melhor um governo constituído e estável adotando medidas heterodoxas, do que novas revoltas de mineiros e indígenas colocando em verdadeiro risco os investimentos de empresas brasileiras.

Nos dois casos, o de João Hélio e o da Bolívia, temos que aprender a enxergar como está atuando a grande mídia. Sua atuação é o melhor indicador dos movimentos pretendidos pela burguesia. Sem isso não é possível dar combate no terreno certo, no momento correto e com as armas adequadas.

Em resumo, não é possível fazer análise de conjuntura sem identificar por onde está se dando a disputa de hegemonia. Não é possível identificar por onde se está dando tal disputa sem acompanhar os movimentos da grande mídia. A análise de conjuntura, por sua vez, de nada servirá se não fornecer orientações para alterar a realidade a favor dos setores populares. Mas, se tais orientações não chegarem ao nível da disputa da hegemonia não passarão de intenções, por melhores que elas sejam. Por fim, para chegar ao nível da disputa da hegemonia, quaisquer orientações saídas de uma análise de conjuntura devem se concretizar na forma de elementos de comunicação. Estes devem ser ideológicos, organizativos, de formação, comportamentais, culturais e morais. Este é o nível mais concreto.

Ou seja:

- Primeiro, escolher e hierarquizar as ferramentas a serem utilizadas: panfletos, boletins, jornais, internete, rádio, TV, caminhão-de-som etc.

- Segundo, o que dizer com cada uma delas e/ou com todas.

- Terceiro, avaliar a eficiência do uso dessas ferramentas.

- Quarto, mudar ou corrigir ou aprofundar orientações e as ações concretas delas resultantes.