24 de nov. de 2010

Manifesto Telecomunista: importante contribuição ao debate

O Manifesto Telecomunista, de Dmytri Kleiner, pretende ser uma atualização do Manifesto Comunista para a era da internete. O documento acaba entrando em contradição com alguns princípios defendidos por Marx e Engels. Ainda assim, sua leitura e debate são fundamentais para a luta anticapitalista.

Fazendo uso de categorias marxistas e tendo como referência o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, Kleiner procura demonstrar que a internete realmente livre e democrática é incompatível com o capitalismo. Mais do que disso, seria um setor estratégico para a luta pela derrubada do sistema.

O autor começa citando o prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política", de Marx. Mais precisamente o trecho que diz: "em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes". Segundo Kleiner:

“...o que é possível na era da informação está em conflito direto com o que é permitido. Editores, produtores de filmes e a indústria das telecomunicações conspiram junto aos legisladores para reprimir e sabotar as redes livres, para proibir a circulação da informação fora do seu controle”.


Portanto, uma situação que ilustraria a afirmação de Marx. Trata-se de uma conclusão a que não é difícil chegar. Basta olhar para a feroz guerra movida pelas empresas do setor cultural e de diversão para acabar com a pirataria de seus produtos. Objetivo destinado ao fracasso devido ao próprio modo de funcionamento do capitalismo atual. A propriedade privada dos direitos de produção e reprodução do conhecimento humano está destinada a entrar em choque com seu caráter coletivo e social, mesmo que disso não resulte sua derrota.

No entanto, num trecho logo a seguir, o autor exagera o alcance dessa contradição:

“As relações não hierárquicas tornadas possíveis graças a uma rede peer [pessoa a pessoa], como a Internet, são contraditórias com a necessidade do capitalismo de cercamento e controle. É uma batalha até a morte. Ou a Internet como a conhecemos prevalece, ou a vitoria será do capitalismo como nós o conhecemos”.


Sem dúvida a internete tornou-se uma ferramenta que desempenha um papel dos mais estratégicos tanto para a dominação capitalista, quanto para seu próprio funcionamento. A expansão dessa gigantesca rede de terminais de comunicação parece derivar da ampliação do papel desempenhado na atual fase da produção capitalista pelas plataformas digitais. Estas últimas transformaram-se na matriz tecnológica que está presente em praticamente todos os setores da economia.

Da fabricação de computadores à produção de automóveis, do controle de estoques agrícolas ao rastreamento de gado, do gerenciamento de cargas em portos às compras em lojas, da produção de filmes à sua distribuição e divulgação. E, claro, da transferência de bilhões em dinheiro de uma parte do planeta à outra, em segundos. Todas essas e muitas outras atividades dependem de programas de computador em funcionamento integrado.

Com tal peso na vida econômica, o texto de Kleiner constata corretamente o papel estratégico da inovação no setor de comunicações via rede mundial. Daí, também o de seus trabalhadores. Estes são responsáveis pela produção do trabalho vivo que se transforma em trabalho morto ao ser apropriado por seus patrões. Assim, em muitos momentos do processo de produção não apenas o trabalho não pago fica retido pelo capitalista na forma de mais-valia. São seus próprios conhecimentos que são apropriados. De resto, esta é uma regra para o capitalismo desde seu surgimento, como lembra o próprio Kleiner.

Até aí, sem problemas. Mas, as coisas começam a ficar confusas quando o autor defende o que chama de “comunismo de risco”. Este consistiria em:

“...assumirmos o controle de nosso próprio processo produtivo, retendo todo o produto de nosso trabalho, formando nosso próprio capital, em contínua expansão até que, coletivamente, haja riqueza acumulada suficiente para atingir uma maior influência social do que aqueles que defendem a exploração”.


Em outro trecho, Kleiner também explica que:

“O comunismo de risco não deve ser entendido como uma proposta de um novo tipo de sociedade. É uma forma de organização com a qual podemos nos engajar na luta social. Comunas de risco não se destinam a substituir os sindicatos, partidos políticos, ONGs e outros instrumentos de conflito de classe. Mas, deve complementá-los, de modo a inclinar a balança do poder econômico em favor dos representantes dos interesses da classe trabalhadora”.


Salvo engano, Kleiner está se referindo a uma forma solidária e coletiva de organização da produção. Algo muito parecido com as cooperativas de trabalhadores. A grande diferença em relação a estas estaria na base tecnológica sobre a qual funcionaria o comunismo de risco. A tecnologia oferecida pela comunicação em rede seria muito mais adequada a esse tipo de empreendimento do que ao livre mercado capitalista.

Aqui sim, começam os problemas. As iniciativas de economia solidária são importantes formas de resistência. Funcionam, inclusive, como demonstração de que a produção baseada na cooperação solidária é possível.

Ocorre que a feroz concorrência capitalista impõe dois destinos aos quais dificilmente escapam os empreendimentos solidários. Ou são violentamente derrotados no jogo bruto imposto pelos gigantescos monopólios do mercado. Ou se transformam, eles mesmos, em empresas baseadas na exploração do trabalho, ainda que mantenham sua fachada jurídica. Exceções a esta regra jamais ultrapassam a insignificância econômica que as transformem em referência social de peso.

Assim, se a intenção é “inclinar a balança do poder econômico em favor dos representantes dos interesses da classe trabalhadora”, ótimo. É mais um elemento que pode ajudar na luta anticapitalista. E, ao que parece, um elemento poderoso. Já não é o caso se falarmos em “riqueza acumulada suficiente para atingir uma maior influência social do que aqueles que defendem a exploração”. Nesse momento, é possível dizer que o Kleiner se distancia do marxismo.

Uma coisa é a luta que se faz sob o império das relações capitalistas e do Estado que procura garanti-las, através principalmente do controle privado dos meios de produção. Outra é aquela travada em uma fase de transição, em que o controle dos meios de produção se socializou e o Estado precisa se organizar de forma a se extinguir como instrumento de dominação de classe. Neste momento, sim, uma ferramenta como a internete pode ser valiosa na disseminação de relações menos vulneráveis à hierarquia e à centralização autoritária.

Um dos aspectos mais importantes da elaboração política de Marx e Engels, assumido por muitos de seus seguidores, é a impossibilidade de a classe trabalhadora acumular poder material por dentro da sociedade burguesa. Esta foi uma possibilidade histórica explorada vitoriosamente pela burguesia em sua luta contra o feudalismo. Trata-se de um caminho bloqueado para os trabalhadores, em sua condição de despossuídos de meios próprios de produção. Daí, a insistência marxiana e marxista da luta no nível político, ainda que alimentada por lutas e contradições no nível econômico.

O Estado é o nó que dá consistência e coordenação à anarquia produtiva e à feroz competição reinantes no nível da economia capitalista. Além disso, somente através da luta política os trabalhadores, como classe, conseguem romper com a alienação decorrente do caráter fragmentado e desigual dos vários ramos econômicos em que produzem sob a divisão de trabalho capitalista. Não se trata de priorizar a luta institucional, mas de ocupar com firmeza o campo da disputa pelo poder político.

Não há elementos para afirmar que as tecnologias em rede, por mais propensas às relações de produção socializadas, tenham alterado esse quadro. Quando Marx diz que as relações de produção (ou seja, as relações sociais) tornam-se obstáculo às forças produtivas (formas de trabalho, tecnologias, etc) não há como tirar conclusões políticas quase imediatas do tipo a que chega Kleiner.

No trecho de Marx citado por ele, as contradições entre forças produtivas e relações de produção são sintomas de que teve início uma fase em que as revoluções são possíveis. Se elas se concretizarão ou não, a decisão pertence ao campo da luta de classes. Em especial, da luta pela liderança social e cultural dos explorados, que tem no terreno político seu campo de batalha fundamental.

A internete pode ser um caso típico de tecnologia que funcionaria muito melhor em uma sociedade comunista. Mas, daí não se conclui que seja capaz de instaurar relações produtivas desse tipo na atual sociedade em escala suficiente para subvertê-la. Uma evidência disso pode ser encontrada no próprio texto que estamos discutindo. Trata-se da relação entre a web e a internete.

O trecho em questão chama a atenção para o fato de que a “world wide web” e internete não são a mesma coisa. Ao contrário, a primeira engessa e submete a segunda aos interesses das grandes empresas. Nas origens da rede mundial, as conexões eram feitas e se espalhavam com base nas ligações “pessoa a pessoa” (peer to peer). Nos últimos 10 anos, porém, a quase totalidade das conexões por rede somente se estabelecem através de servidores web, pertencentes a grupos econômicos poderosos.

E não só isso. A chamada Web 2.0, diz o autor, nada mais é que a antiga web transformada em fonte de lucros abundantes graças ao trabalho de dezenas de milhões de internautas. São milhares de postagens por minuto que chegam aos poderosos servidores de empresas que controlam portais como Google, Youtube, Facebook, Orkut, Flickr, etc. Material rico e variado obtido gratuitamente e processado a custos próximos do zero.

Desse modo, a internete submetida à Web transformou-se numa grande vitrine para anúncios. E também num enorme e detalhado banco de dados pronto para ser utilizado na elaboração de estratégias de mercado. É uma esplêndida fonte de mais-valia sem qualquer sinal de vínculo empregatício. Mais do que isso, ela utiliza projetos de código aberto, como Linux, PHP, Apache, para capturar o trabalho coletivo que é feito sobre tais programas. Imensa criatividade apropriada por alguns poucos centros altamente lucrativos.

Ou seja, as relações sociais capitalistas castraram e domesticaram uma força produtiva cujo potencial criativo talvez fosse plenamente aproveitado sob o socialismo e comunismo. Achar que é possível alterar esse quadro com base na persistência das conexões pessoa a pessoa sob a intensa pressão do mercado capitalista é ilusão.

Por outro lado, o texto traz várias sugestões em relação a como organizar a produção social sob “bases comunitárias”. Elas têm por modelo os avanços e o acúmulo conquistados no movimento pelo software livre e contra os copyrights. Estão expressos na revisão dos 10 pontos propostos na seção 2 do Manifesto Comunista. Trata-se de trechos do texto original que são substituídos de forma a atualizá-lo. Propostas que devem ser levadas em consideração por quem pensa uma sociedade mais justa.

São especialmente marcadas pela saudável vontade de deslocar do “Estado” as funções de “mutualizar” as relações sociais. Realmente, parece haver certo exagero na presença do Estado nesta parte do documento de Marx e Engels. No entanto, isso seria muito relativizado nas obras posteriores dos autores do Manifesto. Principalmente, após a experiência da Comuna de Paris, em que povo sublevado busca soluções visando à democratização radical das funções estatais.

De qualquer maneira, a proposta de Kleiner só tem a acrescentar e contribuir para o debate e a ação anticapitalista e revolucionária. Deve merecer a atenção de todos os que estão empenhados nesta luta. Em especial, na trincheira da cultura e da informação.

Nota: Dmytri Kleiner é um desenvolvedor de softwares engajado na luta anticapitalista. Lançou seu documento em outubro de 2010 no blog do Institute of Network Cultures. Ainda não foi traduzido do inglês. Há apenas trechos vertidos por Moisés Sbardelotto, que podem ser acessados aqui.

Leia também: Piratas e fantasmas contra o capitalismo

23 de out. de 2010

Tropa 2: ainda conservador

O novo filme de José Padilha continua conservador. Agora, os políticos corruptos são os grandes vilões, mas aqueles que os corrompem ficam na sombra. As milícias da grande mídia agradecem.

As duas produções de Tropa de Elite são filmes de ação que pretendem fazer denúncia. Mas, não vão à raiz dos problemas que retratam de forma tão explícita. Ao fazer isso, acabam por justificar a forma como a sociedade brasileira está organizada. Com sua injustiça social, violência estatal contra os mais pobres, democracia de fachada e monopólios da grande mídia.

Em Tropa de Elite 2, os vilões são mais numerosos. A corrupção policial e os traficantes de drogas continuam presentes. Mas, a ação das milícias ganhou grande destaque. No filme anterior, boa parte da culpa da violência urbana cabia aos que compram drogas. Estranhamente, dessa vez, a mesma culpa não foi atribuída aos consumidores de TV paga. Um dos serviços vendidos ilegalmente por milicianos.

Tropa 2 chega a uma conclusão que já deveria ser óbvia em sua primeira edição. O único serviço público realmente presente e em funcionamento nas favelas é a polícia. Era questão de tempo para que policiais substituíssem o tráfico e se transformassem em tropa de ocupação com vontade própria. Mercenários dispostos a negociar o acesso às áreas ocupadas com os poderes constituídos. Entre estes, é claro, o poder estatal representado pelos políticos de plantão.

A cena em que Nascimento surra um secretário de estado vem arrancando aplausos nos cinemas. Simboliza a justa revolta popular contra os políticos em geral. O problema é que políticos profissionais não vivem apenas de seus altos salários. Nem se elegeram usando suas economias pessoais. Foram bancados por empresários. Em troca, a grande maioria deles trabalha como facilitadores de negócios para seus financiadores. E muitas vezes, o fazem dentro da lei.

Políticos envolvidos com criminosos comuns são poucos, mas fazem barulho suficiente para esconder ainda mais a já silenciosa ação de seus colegas. Membros das bancadas a serviço de ruralistas, proprietários de meios de comunicação, banqueiros, empreiteiros, mercenários religiosos e empresários de vários setores monopolizados da economia.

O personagem Fraga é uma justa homenagem ao deputado Marcelo Freixo (PSOL). Mas, na vida real, Freixo não apenas é um indivíduo corajoso e com princípios. É uma liderança apoiada em um trabalho de base desenvolvido nas comunidades pobres. Lugares massacrados pela ação conjunta do tráfico, da milícia e da polícia, incluindo o Bope. Ainda assim, Fraga não é o mocinho. Continua a ser Nascimento, com seus métodos violentos.

Mas, o filme de Padilha é conservador principalmente porque mostra a mídia empresarial como defensora da moralidade pública. No filme, a casa da milícia começou a cair porque uma jornalista foi assassinada. Na vida real algo muito parecido aconteceu. Uma equipe do jornal “O Dia” foi seqüestrada e submetida à tortura por milicianos. Até então, as autoridades e a própria imprensa fechavam o olhos para a ação violenta e covarde das milícias. Eram consideradas “formas comunitárias de auto-defesa”.

Na verdade, a responsabilidade da grande imprensa é enorme na montagem do cenário que possibilitou o surgimento das milícias. Cenário que não se limita ao Rio de Janeiro no início do século 21. Inclui um país inteiro vivendo séculos de injustiça social, racismo, truculência policial, criminalização da pobreza, autoritarismo, informação distorcida, preconceitos e corrupção.

Com Tropa de Elite, esquecemos de tudo isso. Vamos ao cinema e nos sentimos vingados pelos murros de Nascimento. Contemplados por denúncias encenadas em ritmo de filme americano. No lugar do debate organizado pela população em associações, partidos, sindicatos, sobram conversas de boteco sobre uma produção da Globo Filmes. No máximo, colóquios de classe média em mega-livrarias.

O final do filme promete uma continuação que chegaria mais fundo em suas denúncias. Difícil acreditar que a mira de Nascimento volte-se para o grande capital. Muitos de seus representantes financiam a vitoriosa produção. Querendo ou não seus realizadores, Tropa 2 trabalha para milícia midiática que justifica um dos sistemas de dominação mais violentos do mundo. E um dos mais inteligentes, também.

Leia também: As armas das tropas da elite não são só as de fogo

12 de out. de 2010

Wall Street: o dinheiro não dorme. Está morto

Mais uma vez, Gordon Gekko deve ganhar a simpatia do público no novo filme de Oliver Stone. É que diante do mundo finado do dinheiro, o vilão é o que mais se parece com algo vivo.

“Wall Street: o dinheiro nunca dorme” faz um retrato cru do capitalismo. Mas, padece do mesmo mal que atacou o filme do qual é continuação. Aquele que era para ser o vilão, acaba sendo o personagem que mais atrai a simpatia do público.

Gordon Gekko (Michael Douglas) com todo seu cinismo mostra-se bem adaptado a um ambiente extremamente competitivo. A selvageria da disputa capitalista fica bem clara nas cenas do pregão da bolsa. Como não sentir fascínio pelo leão na savana? Ou pelo tubarão no mar? Aprendemos a ter pena dos antílopes e dos peixinhos. Mas, séculos de pedagogia do canibalismo de mercado nos ensinou a admirar as feras.

Logo no início do filme, Gekko refere-se às famosas bolhas econômicas do capitalismo. E as compara à explosão cambriana. Trata-se de um fenômeno biológico ocorrido há uns 500 milhões de anos. Nessa época, houve o maior surgimento de novas espécies vivas de que se tem notícia.

Ao utilizar esse exemplo, Gekko defende o que pensa a maioria dos ideólogos da burguesia. É a idéia de que o capitalismo é resultado da evolução natural. Veio para ficar. E quem quiser se dar bem, tem que aceitar seu jogo bruto e disputá-lo seguindo suas regras violentas.

Gekko é bom nisso. Depois de anos de prisão, parece arrependido. Escreve um livro que desvendaria os segredos do sistema. Mostra-se arrependido do que fez com sua vida familiar. Desenvolve uma relação afetiva com seu genro, substituto ideal para o filho morto.

Nada disso impede que acabe dando o bote no final. Age como o escorpião que não consegue negar sua natureza. A reaproximação com a filha é apenas um modo de recuperar o dinheiro escondido na Suíça. Suas denúncias do sistema são uma forma de se manter em evidência. Um jeito de reatar antigas relações e vingar-se de seus velhos inimigos. Talvez sua única ação boa tenha sido colocar o genro para fora daquele meio cruel aos chutes e pontapés.

No final do filme, é possível sentir alguma pena de Gekko. Seu rosto olhando as imagens do neto na barriga da filha é como o pedido de socorro de um dependente químico. Gekko simboliza a humanidade presa num circuito estéril.

É o império do valor de troca, que há séculos vem seqüestrando todos os domínios da vida humana. Já não se trata de dinheiro apenas. São papéis de todo tipo. O que se negocia nos mercados do mundo não são bens, mas direitos sobre eles. E estes crescem numa proporção muito maior que a produção daqueles.

É o contrário da explosão cambriana. Nesta, a vida explodiu dando origem a praticamente todas as atuais formas vivas. O mercado capitalista parece estar cheio de diversidade. De fato, marcas, modelos, tamanhos, formas não passam de metamorfoses da mesma coisa: trabalho humano reduzido a mercadoria. Criatividade levada a óbito.

O filme de Stone faz a denúncia disso só até certo ponto. No fim, fica a sensação de que não há muita escapatória a não ser manter uma postura ética. Escolher a qualidade no lugar da quantidade. Saída individualista que conta com a boa consciência daqueles que estão que estão no topo da cadeia alimentar dos negócios.

Por outro lado, o filme deixa claro que a esperança no capitalismo ecologicamente correto está condenada ao fracasso. “A próxima bolha será verde”, diz Gekko. Esta sentença faz mais do que prever uma nova catástrofe. Acende o alerta de que o capital está atingindo o limite não só da vida social humana. Envolve, cada vez mais, o conjunto da vida no planeta em seu abraço de morte.

Felizmente, a vida costuma reagir mesmo nas crises mais fatais. Contra o instinto suicida do capital, só a reação ferida de milhões de explorados e humilhados pode ser a resposta. Perto deles, Gekko é só um morto-vivo à procura de descanso eterno.

19 de set. de 2010

O conformismo em “Nosso Lar”

Walter Assis produziu uma obra em defesa do espiritismo. Até aí, nada demais. O problema é que sua interpretação defende a passividade diante das injustiças terrenas.

O filme de Walter Assis é uma boa peça de propaganda do espiritismo. Como tal, seu sucesso depende de da resposta do público-alvo. E este parece ter respondido bem. As bilheterias já ultrapassaram os dois milhões de pagantes. Pouco menos que o número estimado de 2,3 milhões de adeptos do espiritismo no Brasil.

Por outro lado, o filme não deve entusiasmar o público em geral. O visual lembra anúncios de condomínio. O lar espiritual idealizado só agradaria a quem gosta de música clássica, roupas brancas e jardins bonitinhos. Por outro lado, os valores que o filme defende podem ser compartilhados por quem não compartilha da fé espírita. E aí, prevalece o conservadorismo.

Em primeiro lugar, há o apelo constante à família. Algo a que o próprio título da obra remete. O lar em questão é sinônimo de família nuclear tradicional. Em especial, quando a família retratada desfruta a privilegiada condição de classe média em plenos anos 1930 e mora em uma casa ampla e bem mobiliada, com direito a criados que incluem uma mucama negra.

A modernidade capitalista causou alterações sociais profundas e desastrosas. Mas, o alívio do peso familiar sobre os indivíduos foi uma mudança bem-vinda. A lógica do mercado dissolve o poder das ligações de sangue. Coloca a possibilidade de trocar relações impostas por laços de parentesco pela escolha baseadas em afinidades.

É a diferença entre o casamento por amor e o matrimônio arranjado, por exemplo. O primeiro não é certeza de felicidade. O segundo é quase garantia de tristeza. Ambos ainda dobram-se a convenções sociais sufocantes em que a família tem papel decisivo. Acontece que a superação definitiva das amarras baseadas nas ligações de sangue continua bloqueada pelo conservadorismo burguês de que o sistema necessita para se reproduzir.

Em uma sociedade realmente livre, até a paternidade seria cada vez mais uma questão de escolha. As relações amorosas entre parentes jamais foram regra. Ao contrário, a imagem da família tradicional harmoniosa esconde o mais extremo autoritarismo patriarcal. O filme mostra que André Luis cometeu muitos os erros em vida. No entanto, nenhum deles coloca em dúvida sua autoridade de chefe de família, apenas os exageros dela.

Além disso, a doutrina defendida pelo filme concentra-se na superação de defeitos que afetariam a busca da felicidade pessoal. É verdade que egoísmo, inveja, arrogância, intolerância são posturas e sentimentos negativos. Mas, a busca de sua superação de forma isolada do contexto social e histórico presta um serviço a um sistema social que vive desses valores. Ser egoísta e intolerante pode ser bastante recompensador sob o capitalismo. É o que mostra a vida tranqüila e a morte serena de muitos ditadores sanguinários e exploradores gananciosos.

Ao mesmo tempo, o filme mostra como no espiritismo a separação entre matéria e espírito parece chegar ao extremo. As sucessivas encarnações seriam uma forma de purificar o espírito até que ele pudesse continuar em seu estado imaterial permanentemente. Até que não mais tivesse que abandonar o “nosso lar”. Ou seja, a matéria seria considerada um estado imperfeito, mesmo que necessário, do qual todos devem tentar se livrar.

Não é o caso de discutir os pressupostos filosóficos dessa concepção. No entanto, uma doutrina como essa pode ser utilizada para incentivar a passividade em relação à miséria muito material que afeta bilhões de pessoas. Também pode contribuir para simplificar as complexidades da alma humana, transformando-as em simples jogos de “ação e reação”. Os que aqui sofrem, são eles mesmos culpados disso. Precisam se “depurar” para serem recompensados.

Nesse caso, a conclusão quase obrigatória é a adoção de uma paciência infinita com a injustiça terrena. Algo bastante conveniente para os principais responsáveis por ela. Os exploradores e opressores, com suas existências muito terrenas e luxuosas. Defensores encarniçados de interesses muito materiais.

Tais convicções não podem ser atribuídas a muitos dos adeptos do espiritismo. Isso não impede que o espírito da superprodução em cartaz esteja contaminado por um forte conformismo social.

7 de set. de 2010

A caravana JN já definiu como governar o Brasil

O Jornal Nacional colocou um avião no ar. É o "JN no Ar", que vai percorrer o País durante as eleições. A Globo tenta novamente ditar o que os eleitores devem pensar. Enquanto o avião não aterrissa definitivamente, leia o texto abaixo, sobre a “Caravana JN”, escrito em 2006.

Depois de mais de 16 mil quilômetros de viagem, Pedro Bial e sua caravana chegam a Brasília dizendo o que é melhor para o Brasil. Em sua condição de comitê central do partido da grande mídia, a Globo quer um país mais neoliberal e mais conservador.

Iniciada em 31 de julho, a série “Desejos do Brasil” fez Pedro Bial visitar cidades longe dos grandes centros. Começou por São Miguel das Missões (RS). O repórter explica que foi lá que “há mais de três séculos, promoveu-se uma das mais ousadas experiências socialistas da história”. Ele refere-se às missões jesuítas, e diz que tal como “o comunismo”, elas “tinham caráter totalitário”.

Mas, a jornada do ônibus global não vai fazer considerações ideológicas explícitas. Não voltará mais a falar de socialismo e comunismo. A emissora sabe que esse debate não está em pauta. Não será ela que vai trazer os temas de volta. Tem uma certeza confirmada pelas mais fortes candidaturas das eleições em disputa. A de que não existe nada além do pensamento único neoliberal. É mentira ou aventura tudo o que não reafirma “verdades” como “rigor fiscal”, “superávit primário”, “respeito aos contratos”, “pagamento em dia da dívida pública”, “déficit da previdência”, “custo Brasil”, “encargos trabalhistas exagerados” etc.

O fato é que quando foi anunciada a empreitada no jornal “O Globo” de 25/07, Bial disse que seriam “reportagens sobre a nação e não sobre campanha política”. Mas, a viagem começou avisando que termina “até o fim de setembro, às vésperas da eleição”. E que seu objetivo é mostrar “os anseios, os desejos dos cidadãos”. Então, de um lado ficaria a “campanha política” e de outro os “anseios do povo”? A separação entre esses dois termos não é perigoso? Atender aos últimos sem passar pela primeira não seria desestimular a participação política da população? Vejamos.

Em primeiro lugar, a empreitada jornalística da Globo chama a atenção pelo fato de apresentar Bial (e, às vezes, Bonner e Fátima Bernardes) ao vivo, à frente de pequenas multidões em algumas cidades por que passam. São verdadeiros comícios servindo de pano de fundo para os jornalistas. O detalhe é que não se trata de comício de partido político. Pelo menos, não de um partido convencional.

Trata-se de do comitê central do pequeno e poderoso partido da grande mídia. As pessoas se deliciam ao ver os astros do jornalismo nacional visitando sua pequena cidade. Se esquecem de que participar da política não se resume a votar. Acabam preferindo delegar sua participação ao jornalismo da Globo, com seus profissionais muito competentes no manejo da palavra falada. Bial à frente. E do que falam? De um programa conservador para o País. De neoliberalismo e manter a ordem dominante a qualquer custo.

Pra começar, por que o roteiro do ônibus da Globo não passa por capitais? Por que visita apenas cidades menores? Um palpite é que isso permite abordar os problemas brasileiros de maneira controlada. Cidades menores apresentam contradições menos radicais. São calmas e tranqüilas, se comparadas às nossas caóticas metrópoles.

Contra impostos altos, menos direitos trabalhistas

A impressão é a de que a série quer mostrar que o Brasil tem jeito, mas longe das grandes cidades. Portanto, longe dos grandes problemas. Alguns comentaram que a série vai olhar para o “Brasil profundo”. Então, o Brasil das metrópoles seria raso, mesmo com suas contradições tão gritantes? Parece um jeito de tirar os problemas de seus lugares e apresentá-los soltos. Longe dos responsáveis sociais por eles, sejam empresários e governantes, sejam os donos da grande mídia e sua defesa incondicional do neoliberalismo.

Por exemplo,em 2 de agosto, Bial encerra a reportagem dizendo: “Nova Pádua, tudo o que o Brasil quer ser quando crescer”. Ele se refere a uma cidade gaúcha com ótimos índices de escolaridade. A frase segue-se a observações sobre os benefícios do controle de natalidade. Conservadores adoram falar em controle de natalidade. Geralmente, quer dizer que a solução é “não deixar os pobres se multiplicarem tanto!”. De qualquer maneira, é uma receita que não serve para as grandes cidades. O Brasil das grandes cidades já cresceu e Nova Pádua não pode ser modelo. A não ser para formas conservadoras de governar.

Ao mesmo tempo, nas pequenas localidades, as pessoas pedem as mesmas coisas que fazem falta nas cidades grandes: segurança, paz, emprego, renda. Reclamam direitos, só que, em geral, não organizam passeatas e manifestações. A contestação assume formas mais conservadoras.

Em 14/08, a caravana está em Ouro Preto. Bial não perde a oportunidade para fazer um curto discurso bem neoliberal:

“E é importante lembrar que foram as riquezas produzidas pelo ouro mais a tributação sem limites do poder português que detonaram nosso primeiro grito por liberdade: a Inconfidência Mineira. Esta é a herança mais importante dessa história: o sonho da liberdade”.


Tributação sem limites? Só pode estar falando da eterna reclamação neoliberal dos impostos altos. Eterna desculpa também para que empresários cortem empregos e achatem salários. Fala em poder português quando deveria falar em dívida pública, FMI, Banco Central etc. E já serve de gancho para a matéria do dia seguinte, na cidade fluminense de Três Rios.

O lugar sofre com a falta de empregos, mas um morador explica a razão: “Tinha que ser revisto esse encargo trabalhista, eu acho muito alto”. O problema fiscal brasileiro não são os impostos que os pobres pagam embutidos em mercadorias de primeira necessidade. Nem a gigantesca sonegação legal ou ilegal dos empresários. Mas, os encargos trabalhistas!

A edição do dia 16/08 é dedicada a Macaé, ainda no Rio. É que a economia local teria crescido “600% nos últimos 10 anos”. Segundo a reportagem, “a cidade cresceu tão rápido que se esfacelou em duas”. Uma parte rica, ao sul. E uma grande favela, ao norte, “onde mora quase metade da população”. Descobrir porque uma parte da cidade é rica e a outra é pobre seria um bom tema. Será que o bem-estar de uns não poderia explicar as condições ruins dos outros? Será que Macaé não repete o padrão de desigualdade do País? Não, diz o entrevistado Lucrécio. Para ele, “não tiveram muito planejamento na questão das invasões, que virou um favelão”. Só isso. A caravana agradece a explicação superficial e adequada ao padrão globo de distorção. E segue.

Em 24/08, o tom do programa fica mais pesado. A caravana chega a Arapiraca, interior de Alagoas. Testemunham um assalto. Aí, é prato cheio para Bial:

“Acabou a desigualdade. Criminalidade e violência não são mais problemas exclusivos das metrópoles. Em cidades grandes, médias e pequenas, ricos, remediados, pobres, todo mundo gradeado, trancado atrás dos muros altos e no alto dos muros, corrente elétrica”.


O discurso do medo e do caos, como a direita gosta

Que maravilha! A criminalidade atinge a todos de maneira igual. Isso é que é distorção. Como se os ricos não contassem com mais polícia em seus bairros, seguranças particulares e até esquadrões da morte que executam criminosos que não foram avisados para ficar longe de certas áreas habitadas por doutores e autoridades. Mas, não é o bastante.

Bial ensina: “A primeira razão de ser do Estado é deter o monopólio da violência para impor a ordem. O estado brasileiro perdeu esse monopólio. Perdemos.”

Como a reforçar essa idéia, fala Francisco Barreto, sargento da Polícia Militar: “Se a gente prende, amanhã está solto. É um país sem lei, sem governante, e sem nada. Um país entregue ao caos”.

O discurso do medo é o mais utilizado pela direita conservadora. Ela quer que o Estado recupere o monopólio da violência. Como se ele tivesse perdido tal poder. Como se não se apresentasse devidamente armado e eficiente nas comunidades pobres para matar, prender e ferir sem limites. Sem mandados e ordens judiciais. Talvez, esteja embutido aí o raciocínio de que só isso não baste. É preciso também apertar o cerco aos “baderneiros” dos movimentos sociais.

Em 25/08, é a vez da pernambucana Petrolândia ser agraciada com a visita global. Diz a reportagem que Petrolândia “tem estrutura de cidade pequena e criminalidade de cidade grande”. E um morador de 77 anos, Gilberto, tem saudades de “toda a pureza do sertão antigo”. E para 1º de outubro, “ele vota por um desejo: ‘Mais empreendimento no interior para evitar a imigração, para evitar que os sertanejos tentem se deslocar para outros locais já tão assoberbados, tão problemáticos quanto o sertão’”. Que seriam empreendimentos no interior? Um novo nome para reforma agrária, termo evidentemente ausente do vocabulário da Caravana? Ou é o agronegócio?

A reposta viria em 21/09, quando a reportagem fala sobre “a revolução do agronegócio, que pela primeira vez em 500 anos iniciou de fato a interiorização do desenvolvimento no Brasil”. O ônibus da Globo havia chegado em Mato Grosso, estado campeão de desmatamento no Brasil e lugar com o maior número de queimadas no Planeta (Folha de S. Paulo – 22/05/2006). Realmente, isso é que é desenvolvimento.

Sem abrir as urnas, a Globo já sabe o que os brasileiros querem

Ao mesmo tempo, a caravana “dos desejos” se auto-afirma, credencia-se a si mesmo, como porta-voz do povo. Matéria que foi ao ar em 26/08, por exemplo, mostra a calamitosa situação da BR-316, no Maranhão. Bial está revoltado com as crateras do lugar. “São cinco horas de viagem para avançar pouco mais de 60 quilômetros”, diz ele. Revoltante, mesmo. Mas, logo se acalma. É que os caminhoneiros e outros motoristas que passam pelo ônibus do JN gritam: “Mostra. Mostra essa vergonha na Globo”. Em outros momentos, a cena se repete.

Mas, uma reportagem é exemplar. Mostra bem as pretensões da empreitada global. É dia 13/09. A caravana chegou, de barco, a um vilarejo na região amazônica. Encontra a família Monteiro Nunes. Segundo a reportagem, “não falta peixe e tem carne, de vez em quando. Juntos, criam 50 cabeças de gado”. E tem mais: “Geladeira nova, TV com parabólica. O Jornal Nacional é sagrado”.

Diante da justa reclamação dos entrevistados sobre a ausência de escola, hospital, transporte público, Bial pergunta triunfante: “Qual foi a última vez que alguém parou o barco assim que nem a gente parou, pra saber das suas necessidades?” E recebe a resposta esperada: “Aqui, nunca tinha parado, não”.

Taí o papel da Caravana. Em tempos de justa descrença na política institucional, nada melhor do que ter alguém para falar pelo povo. De preferência, alguém que, enquanto tagarela em rede nacional, mantém o povo quieto. E o poder, sossegado.

Finalmente, a viagem termina. É dia 30/09. Foram mais de 16 mil quilômetros. A caravana chega a Brasília. Cheia de lições de moral para ensinar aos “políticos”. É como todo pensamento conservador, transforma “os políticos” numa coisa só. Uns vagabundos, que ganham bem e nada fazem. Que tal fechar o Congresso, dispensar eleições e colocar gente que trabalha e sabe o que é melhor para o Brasil no poder? Um ditador inteligente, talvez.

O porta-voz do partido global não diz nada disso diretamente, claro. Mas, quase. A frase com que Bial encerra o programa tem endereço certo: “Trabalhem e nos deixem trabalhar”, diz para os políticos. E às vésperas das eleições, sem que nenhum eleitor tenha se manifestado e nenhum voto, apurado, Bial ainda diz que este é o “recado das urnas”! Sem mais comentários.

Outubro de 2006

25 de ago. de 2010

Análise da realidade, disputa de hegemonia e grande mídia

(Texto de novembro de 2006)

A chamada análise de conjuntura é um instrumento importante para definir os rumos mais acertados para a atuação da esquerda socialista. Qual é o peso da grande mídia tanto nela, como na própria realidade? Como dar combate a seu monopólio buscando disputar a hegemonia usando nossos próprios meios de comunicação?

Nos últimos 50 anos, a burguesia aperfeiçoou a grande mídia como um de seus aparelhos de hegemonia mais poderosos. Se as igrejas perderam força em sua influência direta, elas a vêm retomando utilizando-se exatamente das TVs, rádios e jornais próprios. Se a família e a escola formavam os futuros adultos, agora divide com desvantagem esse papel com a programação de rádios, tevês, filmes, publicações. Instrumentos que impõem verdadeiros padrões de consumo, comportamento e formas de enxergar a realidade. Por outro lado, sindicatos, partidos, associações e outras organizações que tentam questionar a dominação burguesa estão cada vez mais reduzidos à impotência diante da enorme concentração do controle das comunicações nas mãos de poucos empresários do setor.

Segundo alguns autores, as empresas de meios de comunicação são aparelhos privados de hegemonia que ficaram tão poderosos que atualmente agem como tendências de um grande partido de apoio à burguesia (Venício A. de Lima). E para isso ela conta com uma característica fundamental. Trata-se de sua capacidade de monopolizar a distribuição de praticamente toda a informação que chega à sociedade. Como vivemos numa sociedade em que a vida social depende muito da informação em grande escala, a grande mídia controla esta última de maneira esmagadora. Ao mesmo tempo, os lucros dessa verdadeira indústria dependem do funcionamento tranqüilo do capitalismo. E é para isso que ela trabalha.

É nesse sentido que em uma análise de conjuntura teremos que levar em conta três aspectos relacionados entre si. Primeiro, as informações que chegam à maioria das pessoas estão carregadas de valor ideológico. Segundo, sendo assim, elas podem não ser verdadeiras, ou podem estar distorcidas ou incompletas, mas sua própria presença acaba colaborando para moldar a realidade segundo seus interesses. Uma notícia sobre algum evento pode ser falsa, mas as conseqüências causadas por essa falsidade serão muito reais. Terceiro, uma parte dessas informações não pode ser totalmente falsa sob pena de confundir até mesmo setores da burguesia. É o caso dos números da economia. Estes não podem ser falsificados sem que sejam afetados os investimentos de vários setores da burguesia. No máximo, o que se permite é destacar algumas cifras e esconder outras. Mas, essa manobra precisa ficar evidente a quem interessa.

Como fazer análise de conjuntura ou como trabalhar com a comunicação para fazer a disputa da hegemonia

A análise da realidade não pode deixar de levar em conta o enorme peso ideológico das informações socialmente conhecidas com todas as suas conseqüências. Mas é preciso distinguir dentre todas essas informações, aquelas que são apenas tendenciosas e as que mostram com mais proximidade os movimentos da economia, das relações sociais e das posições políticas que interessam à burguesia. Esta diferenciação fica mais clara se pensarmos em publicações como a revista Veja e o jornal Valor Econômico. A primeira comporta-se como um panfleto, cujas informações são distorcidas ao máximo em favor dos interesses dos capitalistas. Seu público é basicamente formado por pessoas de classe média, cujas consciências a burguesia procura ganhar para pontos de vista conservadores. O segundo, defende os mesmos interesses, mas o faz com análises e informações o mais precisas possível pois se dirige a um público específico. São empresários, financistas, formadores de opinião, que dependem da exatidão tanto dos dados, como do foco apresentados. O Valor Econômico, por exemplo, não deu qualquer destaque ao caso da morte de João Hélio, em 2006. E não o fez porque entendeu que o fato não se mostrou relevante para alterar o quadro social e político mais geral. Enquanto isso, quase todo os outros veículos de comunicação tentaram fazer o contrário. Tentaram aumentar o peso do fato para que fizesse efeito sobre o quadro político em favor de valores e medidas conservadores. Se conseguissem, aí, sim, provavelmente, o Valor talvez tivesse apresentado suas análises sobre o caso.

Para usar mais um exemplo, vejamos o caso das mudanças nas regras de exploração do gás na Bolívia, em maio de 2006. Jornais como O Globo, JB, Folha, e as revistas Veja e Isto É e seus colunistas fizeram um grande alarde sobre desrespeito a contratos, encampação de propriedades brasileiras etc. Mas, os colunistas e editorialistas do jornal Valor Econômico deram a esses fatos uma dimensão bem menos assustadora. Não porque apoiassem o governo boliviano e suas medidas. Mas, porque sabiam que o governo brasileiro teria que agir com calma para não comprometer a estabilidade política do país vizinho. Melhor um governo constituído e estável adotando medidas heterodoxas, do que novas revoltas de mineiros e indígenas colocando em verdadeiro risco os investimentos de empresas brasileiras.

Nos dois casos, o de João Hélio e o da Bolívia, temos que aprender a enxergar como está atuando a grande mídia. Sua atuação é o melhor indicador dos movimentos pretendidos pela burguesia. Sem isso não é possível dar combate no terreno certo, no momento correto e com as armas adequadas.

Em resumo, não é possível fazer análise de conjuntura sem identificar por onde está se dando a disputa de hegemonia. Não é possível identificar por onde se está dando tal disputa sem acompanhar os movimentos da grande mídia. A análise de conjuntura, por sua vez, de nada servirá se não fornecer orientações para alterar a realidade a favor dos setores populares. Mas, se tais orientações não chegarem ao nível da disputa da hegemonia não passarão de intenções, por melhores que elas sejam. Por fim, para chegar ao nível da disputa da hegemonia, quaisquer orientações saídas de uma análise de conjuntura devem se concretizar na forma de elementos de comunicação. Estes devem ser ideológicos, organizativos, de formação, comportamentais, culturais e morais. Este é o nível mais concreto.

Ou seja:

- Primeiro, escolher e hierarquizar as ferramentas a serem utilizadas: panfletos, boletins, jornais, internete, rádio, TV, caminhão-de-som etc.

- Segundo, o que dizer com cada uma delas e/ou com todas.

- Terceiro, avaliar a eficiência do uso dessas ferramentas.

- Quarto, mudar ou corrigir ou aprofundar orientações e as ações concretas delas resultantes.

28 de jul. de 2010

Campeões de bilheteria e de caretice

Toy Story 3, Encontro Explosivo e Eclipse. Três boas bilheterias. Três exemplos do conservadorismo de Hollywood.

“Toy Story 3” é dirigido por John Lasseter. A animação competente e os efeitos em três dimensões não salvam o filme. Os divertidos brinquedos animados, liderados por Wood, estão em apuros. Seu dono cresceu e vai para a universidade. Estão entre serem esquecidos no sótão da casa ou jogados no lixo. Na confusão para escapar a tais destinos, acabam numa creche.

Poderia ser um bom pretexto para mostrar as vantagens da educação infantil em ambientes coletivos. A necessidade da diversidade social como elemento de educação e formação. A importância da posse comum de brinquedos. Talvez, a luta dos donos da creche para manterem-na aberta.

Ao invés disso, a situação é de pesadelo. O que parecia um paraíso de crianças acolhedoras mostra-se um inferno de pestinhas destruidoras. Longe dos pais protetores, os pequenos viram um bando incontrolável. Para completar, o líder do pedaço é um urso de pelúcia que não passa de um uma mistura de ditador com mafioso. Se a liberdade e a vida coletiva representam esses riscos todos, melhor se contentar com o bom e velho sótão.

O final feliz é a doação dos brinquedos a um novo lar. Tornam-se mascotes de uma garotinha gracinha, em um belo subúrbio americano. A menininha é pobre, mas isolada em sua casinha agradável está longe dos problemas que a vida comunitária causa.

Tudo muito fofinho. Tudo muito convidativo e atraente. É só sair da sala de cinema e se dirigir à loja mais próxima para comprar mais produtos da franquia. É a felicidade fácil, cara e curta na forma de bonecos sorridentes, em embalagens coloridas.

Em “Encontro explosivo”, James Mangold coloca Cameron Diaz e Tom Cruise nas mais variadas confusões. Variadas sem sair da mesmice. Muita perseguição, acrobacias, efeitos especiais e cenas que poderiam ser engraçadas mas não são.

Tudo para mostrar uma personagem feminina bancando a pateta em 90% das cenas. Caidinha pelo bonitão, que sabe tudo e vence a todos, sem tirar o sorriso cheio de dentes branqueados da cara. No final, a garota revela grande habilidade ao volante de um automóvel antigo. Mas, utiliza seus talentos única e exclusivamente para agarrar o bom partido que apareceu em sua vida chata.

Em “Eclipse”, de David Slade, a juventude está mais careta do que nunca. A começar por um vampiro bonzinho que faria Drácula querer morrer se já não fosse defunto há séculos. Neste parte da saga “Crepúsculo”, Bella está sendo disputada por seu namorado sanguessuga e seu amigo lobisomem. Nessa condição, vive sendo carregada de um canto para o outro como uma boneca.

O pior é que o jovem vampiro se recusa a transar com sua noiva antes do casamento. Ele se desculpa dizendo que é um cavaleiro do século 17. Do tipo que precisa fazer a corte à dama por meses antes de beijá-la. Mas, está mais para um adolescente do século 21 nos Estados Unidos de Bush. Aquele que recomenda não fazer sexo como a única forma de evitar Aids, gravidez indesejada, etc.

Filmes como esses deixam bem clara a principal função do cinema empresarial inspirado por Hollywood. Em meio a risadas, lágrimas, pipocas e refrigerantes nossas mentes vão sendo amaciadas. Amolecem suas defesas contra os valores mais conservadores e imbecilizantes.

13 de jul. de 2010

Walt Disney, mas pode chamar de Capitão Gancho

Disney foi um dos primeiros grandes piratas da indústria de diversão. É o que revela o livro Desconstruindo a “Propriedade Intelectual”, de Jorge Machado. Uma obra que ajuda a mostrar que o capitalismo é um beco sem saída.

A Disney é uma das mais poderosas indústrias de diversão do mundo. Além do estúdio que leva seu nome, controla as empresas Touchstone, Hollywood Pictures e Miramax. Também opera os canais de TV ABC, Disney Channel e ESPN, mais centenas de emissoras de TV e rádios.

Com tanto poder acumulado nesse tipo de produção, a corporação é grande interessada no combate à pirataria de seus produtos. Mas, o fundador desse reino nada encantado dificilmente escaparia da acusação de pirataria.

Afinal, personagens como Pinóquio, Bela Adormecida, Cinderela, Alice e Peter Pan são todos de autoria conhecida. Disney produziu belos filmes a partir deles. Sua organização vem ganhando milhões há décadas graças a eles. Mas seus autores ou os sucessores deles nunca receberam um centavo por isso.

Ao mesmo tempo, Walt Disney nunca abriu mão de cobrar cada tostão pelo uso das criações que considerava sua propriedade. Mickey é a mais famosa delas. Mas até o ratinho foi baseado em um personagem do comediante David Keaton.

Por falar em Mickey, o personagem foi responsável pela alteração da lei dos direitos autorais por onze vezes nos Estados Unidos. Cada vez que os direitos sobre sua imagem iam vencer, o Congresso americano mudava os prazos para longe.

Até que em 1998, o período ficou fixado em 120 anos. Tudo isso beneficiou não apenas Disney, mas a Paramount Pictures, Time Warner, Viacom e Universal. Empresas que agradeceram aos senadores que apresentaram a lei com mais de 1,4 milhão de dólares em doações.

Tudo isso está no excelente livro de Machado. Mas, o autor também faz uma discussão importante sobre a idéia de propriedade intelectual. Segundo ele, esse conceito já nasceu equivocado. Pertence ao mundo das mercadorias físicas. Quando falamos de produtos como criações intelectuais, culturais, artísticas, o beco sem saída é o destino mais provável.

Machado lembra a definição clássica da Economia como ciência para a administração da escassez. No capitalismo, diz ele, essa escassez precisa ser produzida artificialmente. Até porque as crises capitalistas acontecem devido à abundância, lembraríamos. Elas surgem quando não há compradores para as mercadorias e não o contrário.

O problema é que propriedade intelectual diz respeito à comercialização de idéias. E a produção artificial de escassez de idéias está fora do alcance até do todo poderoso capitalismo. Para explicar melhor, Machado utiliza a famosa frase em que Thomas Jefferson refere-se à diferença entre a natureza das idéias a dos bens materiais:
Aquele que recebe de mim uma idéia tem aumentada sua instrução, sem que eu tenha diminuído a minha. Como aquele que acende sua vela na minha, recebe luz sem apagar a minha.
Talvez Jefferson não desconfiasse que num futuro nem tão distante, também as idéias, o saber, a informação viriam a ser negociadas no mercado.

O autor cita o caso da empresa Corbis, de Bill Gates. Através dela, Gates passou a cobrar direitos de exibição digital de imagens de museus e coleções públicas e privadas. Estamos falando de acervos de instituições como Galeria Nacional de Londres, Museu Hermitage de S. Petersburgo, Museu de Arte da Filadelfia, Fundação Andy Warhol, etc.

Ou seja, a rigor, qualquer um só pode utilizar uma imagem presente nessas coleções se comprar os direitos de uso junto à empresa de Gates. E trata-se de imagens de obras que pertencem ao patrimônio criativo da humanidade. O acesso a ele está bloqueado pelo “pedágio” do grande capital. Como se vê, propriedade intelectual é o nome dourado para apropriação privada do que deveria ser público.

Mas, nem tudo são facilidades para os capitalistas. A mesma tecnologia que lhes possibilita seqüestrar idéias e criações também facilita amplo acesso a elas. A internete nasceu de um projeto militar. Foi desenvolvida por universidades públicas. É explorada no mundo todo por grandes corporações voltadas para o lucro. Mas, é igualmente uma ameaça à propriedade intelectual.

Isso acontece porque a lógica da rede mundial é a do compartilhamento. De outro modo, não faria tanto sucesso. É por isso que as tentativas de impedir completamente a troca desautorizada de arquivos na rede lembram o esforço de enxugar gelo. As empresas querem produzir escassez de idéias através do controle monopolista de suas cópias. No entanto, a própria competição comercial estimula um avanço tecnológico que torna o ato de copiar cada vez mais simples e barato. E seus caminhos cada vez mais imateriais, intangíveis.

Já não são fitas-cassetes, discos de vinil, CDs e DVDs que suportam as informações. São arquivos circulando pela internete. As idéias, lembra o autor, além de intangíveis, são inesgotáveis. Por mais originais que sejam, são produto de outras idéias. E, logo que são transmitidas, socializadas, sofrem modificações sobre as quais seus pretensos autores originais não têm muito controle.

Para dar conta desta realidade, Machado propõe o conceito de co-produção, no sentido de que toda a criação é social. Em relação aos limites da concepção de “propriedade intelectual”, o autor propõe a adoção da figura dos “direitos de uso”. Um conceito que regula a posse entre sociedades sem propriedade privada, como as tribos indígenas ou antigas comunas. A posse só existe em relação àquilo que se está usando. Findo o uso, a posse volta a ser comum.

Na verdade, a indústria já utiliza esse conceito. Já não vende seus programas, mas os direitos de uso. A grande diferença é que cobra por eles. E o faz periodicamente. Uma demonstração de que os próprios capitalistas encontram dificuldades para continuar lidando com a idéia de propriedade. Ela escapa por entre seus dedos gananciosos.

A conclusão a que o autor chega merece ser transcrita:
O casamento entre “propriedade intelectual” e meios digitais não tem como dar certo. Pois, enquanto um fala em bloqueio, o outro fala em fluxo. Um quer vender, o outro quer compartilhar. Um fala que tudo tem um “proprietário”, outro mostra que não tem. Um quer cobrar, o outro não acha justo pagar. Um quer reter, o outro quer liberdade! E o pior, um está enamorado das corporações, outro procura alguém mais “descolado”.
Ao mesmo tempo, não se trata de desconhecer os direitos autorais. Segundo Machado:
Deve-se garantir ao (co-)criador, além do reconhecimento da contribuição original, o direito exclusivo sobre o comércio da mesma, sempre que houver. Isso não impediria o fluxo da informação amigável, sem fins lucrativos.
Esta pode ser uma saída provisória. Uma forma de regular o mercado enquanto não nos livrarmos dele. Pois, diferente do que parece entender o autor, o conceito de propriedade privada não está caducando apenas no âmbito da criação intelectual. Esta é apenas a área em que fica mais clara a senilidade de todo o sistema capitalista.

A propriedade privada dos meios de produção social tem que dar lugar a sua posse compartilhada em todos os níveis. Para que a produção abundante do sistema capitalista pare de se transformar em escassez para a maioria e fartura para a minoria. E a criatividade humana seja libertada das correntes econômicas que a prendem.

Não é preciso dizer que o livro de Jorge Machado pode ser facilmente encontrado na internete e baixado gratuitamente.

Leia também:
Piratas e fantasmas contra o capitalismo
Rock bom é rock pirata!

29 de jun. de 2010

Contra a mídia safada, LUTARMADA!

O grupo O Levante, do coletivo LUTARMADA acaba de lançar mais um CD. É o hip-hop contra a injustiça social e a exploração. Denunciando a grande mídia como principal arma dos poderosos.

Nos anos 1980, Chuck D, membro do Public Enemy, disse que o rap era uma espécie de CNN da comuna negra. A proposta era a de que os movimentos de resistência construíssem seus próprios canais de comunicação. Mas, fazer isso é também denunciar e combater a mídia dos poderosos. As CNNs e Globos do planeta.

Desde que foi criado, o coletivo LUTARMADA tem sido fiel a este combate. Faz a denúncia da violência policial, do racismo, da exploração capitalista, dos governos e do estado capitalista. Mas, sempre teve a preocupação de colocar a grande mídia na alça de sua mira. Sabe que ela é fundamental para fazer a cabeça da maioria da população. Em especial, dos que têm pouco ou nenhum acesso à informação crítica. Daqueles a quem a própria esquerda tradicional dá pouca ou nenhuma atenção.

O coletivo adotou um nome que faz parte da realidade das comunidades pobres das grandes cidades. O braço armado do Estado e do crime são uma constante na vida delas. Ainda que quase 100% de sua população nada tenham a ver com polícias e bandidos.

Mas, o nome vem acompanhado de símbolos que explicam tudo. O logotipo do coletivo é uma criança negra lendo um livro. A arma que o LUTARMADA utiliza é o microfone. É também o grafite, a dança de rua. É cada vez mais a formação política, a educação para a luta, recuperando as lições das lutas dos povos de todo o mundo. Dando cada vez mais atenção aos corajosos combates do povo brasileiro.

O novo CD não poderia deixar de reafirmar essas preocupações e é coerente com a denúncia do poder da mídia capitalista. A primeira faixa de Estado de direito. Estado de direita é uma sequência de trechos de noticiários da grande mídia. Sempre mostrando a violência cotidiana da polícia contra os pobres, explorados, negros. Violência quase sempre sustentada e apoiada pelos chamados veículos de comunicação. Nada mais do que aparelhos a serviço da ideologia dominante.

Seguem-se outras músicas, como Faça a revolução ou morra lutando, Rimador radical, Combativo e internacionalista. Elas não deixam dúvidas quanto ao compromisso do coletivo com a luta mais radical. Em Abalando as estruturas globais, a denúncia da Globo, suas mentiras, manipulações, truculência cultural, simboliza a crítica a todo ao poderoso aparato midiático. Mas, em várias outras faixas do CD, o alerta quanto ao terrível papel da mídia empresarial é constante.

Ao mesmo tempo, não escapam à metralhadora de O Levante setores da esquerda que acabam fazendo o jogo do inimigo. É o caso da faixa Partidos Comunistas por Apolônio de Carvalho. Nela, a voz do velho e respeitado revolucionário comunista define os PCs de todo mundo como monumentos de autoritarismo e elitismo. Compostos de membros que se relacionam de forma fria e impessoal, entre eles mesmos e com os explorados.

Em Graças ao hip hop, a voz de Gas-PA explica porque o hip-hop faz a cabeça de muitos lutadores negros e explorados. Trata-se de uma opção de classe. Dizendo não ao crime, à religião como fonte de renda, à vaidade alimentada pelo consumismo capitalista. Dizendo sim à resistência contra o Estado. Usando a poesia, a arte, mas também o panfleto, a passeata, manifestações, o apoio às ocupações urbanas e rurais.

É o hip-hop como “salvação” sem alienação. No lugar da arma de fogo, o microfone incendiário, o livro revelador, a poesia libertadora, belas imagens de luta e resistência estampadas nos muros. É o hip-hop classista e de combate do LUTARMADA!

Como toda mídia alternativa, o coletivo precisa de apoio. Como mídia alternativa combativa, o LUTARMADA merece esse apoio ainda mais. Compre o CD. Contatos: o_levante@yahoo.com.br

Clique aqui e ouça uma das músicas do novo CD: Abalando as estruturas globais

5 de jun. de 2010

Um Robin Hood bem classe média

No filme de Ridley Scott, o príncipe dos ladrões parece mais um barão de classe média. Talvez, porque roubar dos ricos para dar aos pobres dependa de que ambos continuem a existir.

“Em tempos de tirania e injustiça, quando a lei oprime o povo, o fora-da-lei assume o seu papel na História. Isso aconteceu com a Inglaterra na virada do século 12”. A mensagem que inicia o filme era um dos princípios defendidos pelos burgueses quando surgiram como classe social.

A burguesia atual não gosta de lembrar isso. Em sua maturidade esclerosada prefere esquecer as loucuras da juventude, quando chegou a cortar cabeças coroadas. De qualquer maneira, o princípio refere-se à troca de governos no interior de um Estado de classe, não à extinção do próprio Estado. Este último é o objetivo dos socialistas revolucionários, incluindo os anarquistas. Aquele é o dos que querem manter a exploração de uns sobre os outros, incluindo muitos dos que se dizem socialistas.

No filme estrelado por Russell Crowe, o herói da floresta de Sherwood quase não aparece como o príncipe dos ladrões. Está mais para um barão de classe média. Nem é rei, nem é servo. Só quer um governo justo, não o fim de toda dominação e exploração, base das injustiças cometidas por todo governo.

O filme começa com o retorno de Ricardo Coração de Leão, após 10 anos de ausência. Entre os soldados de sua tropa, está Robin Hood, ainda conhecido como Robin Longstride. Diferente das versões mais conhecidas da história, o rei Ricardo morre logo no início. Durante o assalto a um castelo francês é atingido pela flecha certeira disparada por um cozinheiro. Talvez, uma brincadeira sobre a superioridade gastronômica do inimigo.

Morto o rei, Robin deserta do exército. Pretende cuidar da própria vida. Mas, o destino não deixa. Entre idas e vindas, acaba envolvido no combate a uma conspiração. Um nobre inglês alia-se ao rei da França para conquistar a Inglaterra.

Ao mesmo tempo, conhece Lady Marion (Cate Blanchett). Viúva, ela cuida de sua propriedade sozinha. Passa maus bocados com os impostos reais de um lado e o dízimo da Igreja, do outro. Só falta fazer um discurso sobre o peso da carga tributária. Tudo muito classe média.

Na versão de Scott, o maldoso Xerife de Nottingham fica em segundo plano. O vilão mesmo é Lorde Godfrey (Mark Strong), que colabora com os franceses. Outro vilão é o rei João (Oscar Isaac). Egoísta, maldoso, cheio de ambição e preguiça, ainda tem a péssima idéia de aumentar os impostos para fazer guerra aos franceses. O que deixa os barões furiosos. Querem derrubar o rei. Nem que para isso seja preciso apoiar uma invasão francesa.

São convencidos do contrário por Robin. O inimigo são os franceses, diz ele. Derrotados estes, cuidariam do rei João. E é o que acontece. Em troca de terem livrado o país dos invasores, os barões impõem ao soberano a assinatura de um documento que limita seus poderes. É a famosa Magna Carta, que seria o marco do início da monarquia constitucional inglesa.

Seria mas não foi. João coloca fogo no documento pouco depois de assiná-lo. Compra a maior briga com os barões. Só aí, Robin torna-se o fora-da-lei de que fala a mensagem do início do filme. Veste o capuz (o hood) dos bandoleiros e foge para a floresta.

O fato é que a simples assinatura de um rei nunca garantiu o respeito a direitos plebeus. Na vida real, o rei João não queimou a Magna Carta. Apenas deixou de cumpri-la. Foram necessários mais de quatro séculos até que a monarquia passasse a respeitar leis. Não com assinaturas em documentos, mas com a decapitação de Carlos I. Um ato que a burguesia nascente foi obrigada a cometer, pressionada pela luta de classes e não pela revolta com impostos altos.

Mas nada disso interessa a nosso herói. Junto com Marion, Robin parte para a floresta, onde não há “impostos, nem dízimos”. Lá, eles podem fazer um pouco de justiça social. A cena final parece comercial de ONG. Cercados por crianças sorridentes, eles cumprem sua missão de roubar dos ricos para dar aos pobres. Só que para isso, é preciso que uns e outros continuem a existir. E esta não é a principal razão de ser de muitas ONGs? Bem classe média.

10 de mai. de 2010

A cara de pau do Homem de Ferro neoliberal

“Homem de Ferro 2” é conservador. E não esconde isso. Representa bem a união entre indústria, governo e forças armadas em defesa do mercado.

O novo filme do Homem de Ferro começa com um show. O super-herói aterrissa num palco entre dançarinas bonitas e faz um strip-tease de sua armadura para mostrar-se como empresário sucesso.

Em seu elegante terno, Tony Stark esbanja charme enquanto diz em alto e bom som que é o responsável pela paz americana. Diante de milhares de pessoas afirma que graças a ele o Tio Sam pode beber seu “chá gelado tranquilamente em sua cadeira de balanço”. Afinal, não há ninguém “que seja homem suficiente” para derrotá-lo.

Só a ótima atuação de Robert Downing Jr. salva a cena do completo ridículo. Mas, o que importa é a semelhança de seu discurso com aquele do governo americano após a queda da União Soviética, no início dos anos 1990. A diferença é que Ronald Reagan era um péssimo ator.

Tal semelhança não pode ser coincidência quando se revela que o inimigo mais perigoso do Homem de Ferro é um russo. Trata-se de Ivan Vanko (Mickey Rourke), filho de um cientista que trabalhou para os soviéticos. Vanko é inteligente, mas sua grande força física não tem a sutileza e a elegância do Homem de Ferro.

A diferença entre os dois lembra aquela que existia entre as economias soviética e americana. A primeira arrastava-se sob o peso de um capitalismo administrado pelo Estado. A segunda devia sua agilidade a um Estado empurrado pela rapidez com que o mercado ataca os direitos dos trabalhadores.

No filme, Stark representa a avançada indústria moderna. Alta tecnologia em máquinas e programas de computador combinada com armamento pesado. Tudo a ver com os objetivos do império americano.

No entanto, como típico empresário neoliberal, Stark só aceita usar seu poderio tecnológico como quer e segundo seus critérios. Se isso coincidir com os objetivos da sociedade, tudo bem. Claro que sendo um industrial, tais objetivos só podem estar relacionados aos interesses de quem está no poder. Por isso, ele ridiculariza o senado americano, mas no final mostrará que não se trata de coisa séria.

Mesmo as brigas de Stark com o amigo James Rhodes (Don Cheadle) são coisas de antiga camaradagem. Rhodes é coronel do Exército. A parceria entre eles parece representar o complexo industrial-militar que governa os Estados Unidos. Suas diferenças são facilmente superáveis em nome de objetivos parecidos. Dominar o mundo e lucrar muito com isso.

Justin Hammer, muito bem representado por Sam Rockwell, é apenas o empresário que não entendeu bem o jogo do poder. A apresentação de seu exército robótico na feira de Stark é de arrepiar. Monstros de metal, prontos a matar em qualquer parte do mundo. Mas, é de mau gosto apresentá-los dessa forma. E vai contra a lógica individualista, que precisa de um herói de carne e osso para entusiasmar o povo.

Aviões robôs já andam voando por aí, matando inocentes na Palestina, Iraque, Afeganistão. No entanto, não se deve dar mais destaque a sua tecnologia do que aos supostos objetivos a que servem: livrar o mundo do terrorismo para salvar a humanidade. O diabo é que a humanidade também está na linha de tiro. Hammer é derrotado, como são alguns empresários na cada vez mais selvagem competição capitalista.

No final, o super-herói, o coronel e o senador aparecem posando para fotos. A indústria, o exército e o governo abraçados. Meio a contra gosto, é verdade. Nada que não se revolva com muito dinheiro e mísseis.

O maior vencedor é Stark. A vitória é do mercado, dos valores individuais, do executivo que adora uma farra, mulheres bonitas e carrões. Às vezes, de smoking, às vezes, com um pijama de ferro. É o neoliberalismo, na maior cara-de-pau, mostrando que está muito longe de enferrujar.

3 de mai. de 2010

Chico Xavier e o espírito conservador

O filme de Daniel Filho confirma a idéia de um Chico Xavier caridoso e dedicado ao bem geral. Pode até ser, mas seus ensinamentos o tornaram querido pela grande mídia e útil aos poderosos.

Não é à toa que Daniel Filho tenha utilizado um programa de TV como eixo em torno do qual gira seu filme sobre Chico Xavier. Trata-se do programa de entrevistas “Pinga Fogo”, que era exibido pela antiga TV Tupi. Em sua edição de 28 de julho de 1971, o convidado foi o médium mineiro. Os responsáveis pelo programa sabiam de sua popularidade. Mas, não esperavam uma audiência tão grande. Dizem que cerca de 30 milhões de pessoas assistiram à atração.

A partir de então, Chico Xavier apareceu várias vezes na grande mídia. Apesar de sua popularidade desagradar a Igreja Católica, ele jamais incomodou os poderosos. Ao contrário, sua doutrina mostrou-se bastante confortável para a ordem dominante.

O filme passa longe dessa relação tranqüila, claro. Mas, dá um recado que certamente o maior líder espírita brasileiro aprovaria. Agüentem firmes os problemas da vida. As dificuldades, por pior que sejam, são penas que devemos cumprir com calma. Tudo faz parte de uma ordem superior, que foge ao nosso controle. Conformismo puro.

Na própria entrevista que prendeu milhões em frente à TV, 40 anos atrás, há trechos que deixam bastante clara essa disposição. Perguntado se sua posição era conformista, por exemplo, Chico Xavier respondeu:

“O espiritismo nos pede paciência para esperar os processos da evolução e as realizações dos homens dignos que presidem os governos, cooperando de nossa parte, tanto quanto possível, para que as leis desses mesmos governos sejam executadas”.


Em plena ditadura militar, o tranqüilo médium pede apenas que as leis em vigor sejam respeitadas. Mesmo que elas permitam ou ordenem censura, perseguições, exílios, torturas e mortes. As vítimas de tais leis certamente cometeram muitos erros em suas encarnações passadas. Ainda bem que estavam sendo devidamente purgadas pelos “homens dignos que presidem os governos”.

O livro “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” teria sido psicografado pelo médium e assinado pelo espírito do escritor Humberto de Campos. Nele, o Brasil teria sido escolhido por Jesus para ser sede de seus ensinamentos espirituais. A escolha teria sido feita porque o país manteve sua integridade territorial e sua história não teria registrado episódios sangrentos.

Esta é uma lenda muito repetida por setores conservadores, que querem nos convencer de que o povo brasileiro é dócil e ordeiro. E quem discorda disso, está querendo encrenca, fazendo baderna, nem merece ser chamado de brasileiro.

O fato é que a história brasileira está cheia de sangue derramado. Principalmente o do povo. A tal integridade territorial foi garantida ao custo de muitas revoltas populares massacradas. E durante o processo de independência, um dos elementos que uniu a classe dominante em todo o país foi o consenso sobre a necessidade de manter a escravidão.

Falando em escravidão, ainda em sua entrevista ao “Pinga-Fogo”, Chico Xavier deu sua explicação muito particular sobre a questão. Referindo-se aos negros, o médium disse que:

“... buscamos no berço onde nasceram milhões de irmãos nossos reencarnados nas plagas africanas, para que eles servissem nas nossas casas, nas nossas famílias, instituições e organizações, na condição de alimárias (animais de carga)”.


Porém, é preciso deixar claro que os negros merecem tratamento melhor, pois, ainda segundo Chico Xavier:

“... eles renasceram do nosso próprio sangue, nas condições de nossos irmãos, para receberem, de nossa parte, uma compensação que é a compensação chamada de amor, para que eles sejam devidamente educados, encaminhados, tanto quanto nós pretendemos educar-nos e encaminhar-nos para o progresso.”


Como se sabe, a “compensação pelo amor” foi feita por muito tempo através do chicote e do tronco. Hoje, nem tanto. Ela se manifesta pela discriminação mais terrível. O que não impede que os negros continuem a ser vítimas de violência racial.

De qualquer maneira, é preciso serenidade. Afinal, “nós, no Brasil, não conseguimos pensar em termos de cor. Nós todos somos irmãos”.

Deve ser por isso, que o médium afirma que:

“... o espiritismo evangélico não se sente absolutamente inclinado a qualquer participação no partidarismo de ordem política para solucionar os problemas da vida material, conquanto reconheça que todos devemos trabalhar”.


Claro que tais trechos da famosa entrevista não aparecem no filme de Daniel Filho. Parece óbvio que com raciocínios desse tipo, Chico Xavier tenha se mostrado uma atração televisiva popular que não representava o menor perigo para a ditadura militar. Afinal, um povo dócil, trabalhador e distante da política é o que os generais mais queriam.

Não á toa, Chico Xavier também inspirou novelas com temas espíritas. Com seus enredos pregando uma bondade e solidariedade distantes das coisas terrenas. Estas deveriam ser deixadas aos que cuidam da ordem, mesmo que sejam eles os principais responsáveis por cada vez mais tornar impossível uma ordem social solidária e generosa.

Os seguidores do espiritismo merecem todo o respeito, assim como o merecem os devotos das outras religiões. Chico Xavier realmente parece ter dedicado sua vida a ajudar os que precisam de auxílio. Aparentemente, não se aproveitou do respeito que conquistou para fazer fortuna e tornar-se poderoso.

No entanto, nada isso impede que suas ações sejam avaliadas pelos efeitos que causaram socialmente. No caso, trata-se de pregar um conformismo bastante útil aos que mandam e exploram. Por isso, sua vida foi parar nas telas de cinema sob patrocínio da GloboFilmes e da Sony Pictures. E com as bilheterias estourando, os conservadores podem continuar em paz com seus espíritos de porco.

8 de abr. de 2010

Capitalismo e Michael Moore: um caso mal resolvido

Capitalismo: uma história de amor é mais um ótimo filme de Michael Moore. Mas, o próprio diretor parece ter dificuldades em romper radicalmente com aquilo que denuncia tão bem.

Lançado cerca de um ano após a crise que derrubou a economia norte-americana, o filme tem como alvo principal a ajuda bilionária dada pelo governo americano a bancos falidos.

A crise de 2008 causou a maior quebra de empresas, perda de empregos e aumento da pobreza nos Estados Unidos desde 1929. Moore retrata o desespero de famílias perdendo suas casas e o desemprego causando tragédias pessoais. Tudo isso naquele que é considerado o país mais rico e poderoso do mundo.

O filme mostra como os causadores de toda essa desgraça ainda saíram com lucro. Os bancos receberam 700 bilhões de dólares do governo, sem precisar prestar contas de seu uso. Resultado: as demissões continuaram, os altos executivos mantiveram seus salários milionários e a roleta do cassino de Wall Street ganhou novo impulso.

Apesar de tudo isso, os Estados Unidos vivem uma antiga “love story” com o capitalismo, diz Moore. E ele quer saber por que. No entanto, a própria visão que o cineasta tem do capitalismo parece ser parte da resposta. Algumas vezes, ele dá a entender que o capitalismo já foi bom. Mais precisamente, quando havia maior concorrência. E valores como liberdade e igualdade eram respeitados.

Moore cita pessoas e valores que respeita. É o caso do presidente Franklin Roosevelt e sua “segunda declaração dos direitos”, de 1944. O documento, que reconhecia direitos sociais mínimos para todos os americanos, foi anunciado pouco antes de seu autor morrer. Por isso jamais teria sido colocada em prática.

Outra referência positiva para Moore são os “pais fundadores da nação americana”. Homens como George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin. Autores da famosa e elogiada Declaração de Independência dos Estados Unidos.

Roosevelt pode até parecer alguém “do bem” entre tantos presidentes estadunidenses diabólicos. Seu famoso “New Deal” melhorou a situação de milhões de trabalhadores em meio à depressão econômica dos anos 1930. Trata-se de um pacote de medidas que geraram mais empregos e asseguraram alguma assistência social para os pobres.

No entanto, a recuperação econômica só veio mesmo com os gastos em armamentos. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra reaqueceu a indústria americana. Roosevelt sabia disso e não vacilou em mandar muita gente pra morte na Europa para fazer a alegria de seus amigos industriais.

Além disso, de bonzinho, Roosevelt não tinha nada. Foi ele que deu início à fabricação da bomba atômica. Morreu antes que a terrível arma ficasse pronta. Antes disso, autorizou bombardeios aéreos sobre cidades japonesas que mataram mais civis do que as explosões de Hiroxima e Nagasaki.

Roosevelt também foi o responsável pela construção de campos de concentração em terras americanas. Prisões em que foram jogados mais de 100 mil homens, mulheres e crianças cujo maior crime era sua origem japonesa.

Moore diz no filme que as coisas só melhoraram na Europa, depois da guerra, porque a equipe de Roosevelt foi para lá. Eles teriam sido responsáveis pela adoção de bons serviços públicos na Alemanha, por exemplo. Explicação simplista. O chamado “Estado de Bem-Estar Social” é produto muito mais do medo dos governantes e patrões europeus diante da imagem positiva que os comunistas conquistaram com sua resistência heroica ao fascismo.

Quanto aos “pais fundadores”, a independência em relação à Inglaterra que promoveram foi muito mais um movimento de elite em que a bucha de canhão foi o povo. Washington e Franklin estavam entre os homens mais ricos da colônia. Jefferson foi um grande proprietário de escravos. Estes, os índios, os brancos pobres e as mulheres jamais foram objeto da preocupação dos criadores da “grande pátria americana”.

Em relação à boa e velha concorrência, nos anos posteriores à independência, cerca 2/3 das terras pertenciam a uns 3% da população. Entre estes, estavam, claro, os queridos “papais” da nação ianque. O nome disso era monopólio já naquela época.

No filme, Moore lê alguns trechos da Declaração de Independência. Cita os princípios de justiça e igualdade que encontra escritos ali. Mas, nada diz sobre um trecho que faz referência aos indígenas como seres “selvagens e impiedosos, que adotavam como regra de guerra a destruição sem distinção de idade, sexo e condições”.

Com uma certidão de nascimento como essa não é difícil entender como o capitalismo funciona tão bem em terras americanas. Moore chega a dizer que o capitalismo representa o mal. Não tem como ser regulado. Deve ser eliminado e substituído pela democracia. Ele evita citar o socialismo. Refere-se ao conceito como “aquela palavra que também termina em ‘ismo’”.

Ao que parece, o cineasta é a favor de algo parecido com o que estaria em vigor na Europa e Canadá. Um sistema público decente. Um Estado que cuidasse também das necessidades e interesses dos mais pobres. É compreensível num país em que defender um sistema universal de saúde pública é tratado como proposta de comunistas ou fascistas.

Mas, o espaço para políticas públicas que realmente atendam os mais pobres é cada vez menor nos aparelhos estatais. E jamais foram tão eficientes e amplos em mais do que uma dúzia de países.

Moore cita as experiências cooperativistas como uma possível saída. É preciso democratizar os locais de trabalho. Permitir aos trabalhadores que controlem a produção, diz ele. No entanto, o nome que se costuma dar para isso é exatamente socialismo.

E a pré-condição para o socialismo é o fim da propriedade privada dos meios de produção. Sem isso, experiências solidárias de produção continuarão a ser marginais. Cooperativas são iniciativas que dificilmente sobrevivem à feroz concorrência capitalista. Ou morrem, ou tornam-se empresas que exploram seus trabalhadores como fazem as outras.

Arrancar dos patrões o enorme controle que têm sobre tais meios somente é possível através da tomada do poder pelos pobres e explorados. Não para reformar o Estado atual nem para montar outro que seja autoritário e centralizador. Mas aí já seria pedir demais para o genial documentarista estadunidense.

Moore já colabora bastante ao expor as mazelas do capitalismo em pleno centro do poder mundial. Quem sabe nosso avantajado amigo ainda se convença de que a tal história de amor sempre foi uma longa novela de terror.

Quem quiser conhecer melhor a história do império americano e das lutas de seu povo deve ler: “A história dos Estados Unidos, das origens ao século XXI” de Leandro Karnal, Sean Purdy, Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais e “Uma história do povo dos Estados Unidos” de Howard Zinn.

Leia também:
Clooney deseja boa sorte à ditadura perfeita

22 de fev. de 2010

Invictus: belas vitórias em batalhas perdidas

Clint Eastwood fez homenagem merecida a Nelson Mandela. Mas, as vitórias do grande líder negro jamais foram suficientes para vencer a batalha contra a injustiça e o racismo na África do Sul.

Invictus começa com a imagem de um treino de rúgbi. Os jogadores são brancos e utilizam um campo bem cuidado. No outro lado da rua, crianças e jovens negros jogam uma pelada num terreno esburacado.

Surge uma caravana de automóveis. Vinha escoltando Nelson Mandela, que havia acabado de ser libertado após 27 anos de prisão. Os “peladeiros” vibram. Os atletas brancos não sabem o que pensar. Perguntam ao seu técnico o que significa aquilo. A resposta é clara: “significa que nosso país está sendo entregue aos cães”.

Em 1994, quatro anos depois, Mandela assumiria a presidência do país. A resposta do técnico de rúgbi mostra o tamanho da encrenca que isso significava num país em que o racismo tinha força de lei.

O temor dos brancos era a vingança por parte daqueles a quem dominaram de forma impiedosa. A vontade da maioria dos negros era fazer justiça depois de tantos anos de sofrimento. Sair da miséria e humilhação em que foram jogados.

O presidente recém-eleito não queria confrontos. Pretendia mostrar que governaria para todos. Precisava dar demonstrações de boa vontade aos antigos senhores sem decepcionar seus velhos companheiros de luta e a população que votara nele. Uma tarefa nada fácil. Mas, se havia alguém capaz de cumpri-la, era Mandela. Invictus é sobre um episódio em que ele mostra toda o seu carisma e habilidade política.

Logo que toma posse, Mandela fica sabendo que a Copa Mundial de rúgbi acontecerá na África do Sul. O esporte é muito popular no país. Mas, tem a cara dos brancos. Por isso, a maioria negra torce contra a seleção sul-africana. Para piorar, o time esta em má fase e coleciona fracassos.

Apesar de tudo isso, Mandela vê no evento uma grande chance para unir o país. Ele não quer apenas o título mundial para a África do Sul. Quer ver os negros torcendo pelo time dos brancos. Consegue tudo o que queria. O país inteiro torce por sua seleção e comemora a conquista do título mundial. Clint Eastwood, Morgan Freeman e Matt Damon contam a história desta vitória com muito talento e emoção.

Infelizmente, é só metade da missa. Em 2010, Completam-se 20 anos da libertação de Mandela. São 16 anos desde sua eleição à presidência. Mas, não é possível dizer que a situação dos negros melhorou. Ao contrário, a concentração de renda aumentou.

Em 1990, 38% da riqueza produzida ficavam com os empresários na forma de lucros. Em 2005, essa proporção cresceu para 42%. Hoje, a África do Sul está entre os 10 países com pior distribuição de renda no mundo, fazendo companhia ao Brasil.

O número de pessoas vivendo em favelas cresceu 26% entre 1999 e 2001. Em 2005, havia 2,4 milhões de pessoas vivendo nesse tipo de habitação. São quase 5% da população. Uma em cada três pessoas em idade de trabalhar está desempregada.

Surgiu uma pequena classe média negra. Mas, 95% dos pobres continuam sendo negros. E os poucos que conseguiram subir na vida, estão longe de pertencer ao clube dos que controlam as grandes empresas do país. Qualquer crise econômica mais séria pode jogá-los de volta para baixo.

Um novo grande evento esportivo acontecerá este ano na África do Sul. É a Copa Mundial de Futebol. Como já aconteceu em muitos outros países, populações pobres estão sendo expulsas de seus bairros para dar lugar à construção de estádios enormes, luxuosos e caros.

Muitos moradores estão sendo transferidos para lugares distantes de seus locais de trabalho e com transporte público precário. Uma dessas áreas recebeu o nome de “Blikkiesdorp”, que quer dizer cidade de lata. Suas casas são feitas de zinco e cada família tem apenas 18 metros quadrados para morar.

Tudo isso é produto de 20 anos de aplicação rigorosa e obediente das políticas neoliberais recomendadas pelo FMI e outros organismos internacionais.

O Apartheid está morto e enterrado. Mandela é sem dúvida o maior responsável por isso. Não é pouca coisa acabar com um sistema de racismo legalizado. Mas, não é o bastante também. Afinal, leis racistas estragam o discurso da liberdade e igualdade que a burguesia usa para justificar seu poder.

Mandela fez como muitos outros filhos da resistência popular ao chegarem ao poder. Procurou governar para todos. Mas, não se governa para todos a partir de um Estado moldado para funcionar a serviço dos interesses de uma minoria. Não é um esporte, com regras justas e forças semelhantes se enfrentando.

Às vezes, raras vezes, é possível arrancar algumas conquistas. Serviços públicos de saúde, educação, moradia etc. Estas conquistas são outro exemplo de vitórias muito provisórias. Na maioria dos casos, elas viram pó ou vão sendo restringidas até perderem efeito para a maior parte da população.

Mandela, nem isso fez. Ele e seus sucessores jamais avançaram na construção de serviços públicos. Limitaram-se a deixar o capitalismo agir. E o simples funcionamento do capitalismo concentra cada vez mais riqueza e produz injustiça social. As vítimas da discriminação racial sentem o peso disso mais do que o restante dos explorados. Hoje, na África do Sul, o racismo vence pela livre concorrência.

Mandela merece todo o respeito por suas vitórias. Pena que elas tenham sido insuficientes para vencer as batalhas mais importantes. Aquelas contra a injustiça e a exploração na feroz guerra de classes com que o domínio do capital vem arrasando os povos do planeta. Os poderosos continuarão a vencer se nos limitarmos a jogar em seu campo, seguindo as regras injustas que inventaram para permanecer invictos.

Sérgio Domingues – fevereiro de 2010

Algumas informações deste texto podem ser encontradas em:
South Africa’s World Cup stadium of slums
South Africa: revolution delayed

7 de fev. de 2010

Guerra ao terror. Ao terror imperialista

O filme de Kathryn Bigelow denuncia os terríveis efeitos da ocupação do Iraque em soldados americanos. Não mostra o sofrimento do povo iraquiano. Acaba justificando o terror imperialista.

Guerra ao terror conta a história de soldados americanos que estão a poucos dias de deixar o Iraque. Eles formam uma equipe anti-bombas. Desempenham uma atividade que envolve enorme tensão. Não só pelo trabalho em si, mas porque deixa claro o enorme ódio que cerca a presença das tropas invasoras.

Não se trata de combate aberto diante de tropas armadas. São ameaças que partem de civis. Gente aparentemente pacata, desarmada, ocupada com suas tarefas cotidianas. São pessoas que podem fazer um gesto e pôr abaixo um prédio. Acelerar um automóvel e destruir um quarteirão. Largar uma sacola e despedaçar alguns soldados. Explodir o próprio corpo e matar um pelotão inteiro.

A câmera agitada e a imagem com cores apagadas dão ao filme um clima de documentário. O cenário é árido e seco. Sem árvores. “Sem grama”, como diz um dos personagens. Quando não estão em combate, os soldados dividem um ambiente de desesperada violência masculina. Tudo isso torna o filme um belo trabalho de suspense e ação.

A produção também poderia ser uma denúncia radical do crime que representa a ocupação do Iraque. Não é. Não é principalmente porque o ponto de vista adotado é o mesmo das tropas invasoras. Um olhar cego à violência que sofre um povo dominado por estrangeiros. Por isso, há pouco espaço para entender algo tão desesperado como a ação dos homens-bomba.

No entanto, algo parecido ocorreu em vários momentos da história de outros povos sob ataque. Ou seriam menos suicidas as ações do povo francês em defesa da República de 1789 contra as poderosas monarquias da época? Ou dos russos, defendendo sua revolução contra exércitos de 14 países? E o combate da Comuna de Paris contra os exércitos franceses e alemães unidos? Sem falar na heróica luta dos vietnamitas.

Na falta de um contexto para o comportamento dos iraquianos, muitos de nós podem adotar a estranheza com que os soldados invasores olham para eles. Fica difícil entender porque aquele povo odeia tanto aqueles que o libertaram do diabólico Saddam Hussein.

O fato é que tal ponto de vista não dá conta de uma grande contradição. Se Saddam era um ditador sanguinário, não poderia ser derrubado por aqueles que o tornaram poderoso. Aqueles que armaram sua ditadura e aprovaram sua brutalidade não podem ser melhores do que ele.

E isto ficou mais do que provado. Hoje, o Iraque não passa de uma possessão dos Estados Unidos. É seu campo de petróleo mais produtivo. Um dos melhores investimentos para suas grandes empresas. Um campo de extermínio humano para testar suas modernas armas.

Pior que isso, os invasores não respeitam suas tradições, seus costumes, suas crenças. Só lhes têm desprezo. Diante disso, a resistência iraquiana utiliza todas as suas armas. E a principal delas é a consciência de que lutam uma guerra justa. Guerra ao terror não mostra este lado.

Num dos momentos mais tensos do filme, surge um homem em cujo corpo foram colocadas bombas contra sua vontade. Em outra cena, a equipe descobre uma bomba dentro do cadáver de um garoto.

Claro que ações desse tipo ocorrem no Iraque. Mas, não podem ser muito freqüentes. Ou não deveriam. Do contrário, a resistência iraquiana perderia apoio rapidamente. Também ela se tornaria tão ruim quanto os invasores que combate.

Quanto às tropas invasoras, muitos de seus membros também julgam lutar por valores justos. Liberdade, democracia, justiça. Nada disso é confirmado pela realidade. Querer impor liberdade, justiça e democracia só leva a mais opressão, desigualdade e autoritarismo.

No entanto, soldados não são treinados para entender as razões de uma guerra. São adestrados para vencê-la a qualquer custo. No caso dos soldados americanos, diante do enorme poder de seu exército, o maior prejuízo tem sido a perda de sua saúde mental.

Denunciar essa situação parece ser o principal objetivo do filme de Bigelow. A disposição com que o personagem principal desarma bombas e manipula explosivos mostra que para ele a guerra funciona como uma droga.

É isso o que diz o letreiro inicial do filme: “A emoção da batalha costuma ser um vício forte e letal, pois a guerra é uma droga”. Trata-se de uma frase do correspondente de guerra, Chris Hedges. Guerras nunca são boas. Mesmo quem passou por conflitos militares convicto de que foram necessários, com certeza teria preferido viver sem essa terrível experiência.

Mas, há guerras que precisam ser travadas. Aquelas de libertação nacional. As que combatem a dominação e a exploração. Impedem o avanço do fascismo. Defendem um mundo livre da destruição capitalista.

O final do filme de Kathryn Bigelow parece dizer que, apesar de tudo, a guerra travada no Iraque merece ser lutada. Até admite que seus motivos são duvidosos, mas, como diria Obama, “nossos rapazes estão lá e precisam de uma saída honrosa”. Ainda que isso implique aterrorizar um povo inteiro. São as razões de quem lidera o imperialismo mundial. Por isso Guerra ao Terror vem recebendo o reconhecimento de sua indústria.

20 de jan. de 2010

Lula, filho do PT, adota o Brasil do PMDB

“Lula, o filho do Brasil” conta a história do presidente do País sem mostrar sua carreira política. Vai direto do sindicalista ao estadista que abraça o Brasil do PMDB.

“Você sabe quem é esse homem, mas não conhece sua história”. Este é a frase estampada nos cartazes do filme de Fábio Barreto. E que história conta a produção sobre Lula da Silva?

Até uns 15 anos atrás, a resposta era clara. A maioria da população considerava Lula um sindicalista radical, grevista, presidente de um partido de baderneiros. Podia ser também um ignorante, analfabeto, nordestino da ralé, fantoche na mão de subversivos. Mas, antes de tudo, Lula era a cara do PT.

Este Lula praticamente não aparece no filme de Barreto. A criação e a trajetória do PT são ignoradas. Com isso, 23 anos de história política do País são apagados. E sem esse elemento, a produção vira mito, relato de auto-ajuda, roteiro de novela, conto de Natal. No entanto, o filme acaba trazendo implícitas as atuais opções políticas de Lula.

O filme mostra o início da carreira pública de Lula. Eleito para uma diretoria de pelegos no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o filho de dona Lindu começou sua vida sindical sem enfrentar a ditadura de 64. Mas, com sua grande inteligência e faro políticos, sentiu que vivia um momento histórico decisivo. A agonia do regime dos generais se aproximava. As decisões tomadas naquele momento definiriam quem iria dirigir o trem da história e quem seria atropelado por ele.

A maior e mais corajosa decisão de Lula foi dizer sim à proposta de criar e presidir um novo partido de oposição. Uma organização formada por militantes católicos de base, sindicalistas, grupos que combateram a ditadura clandestinamente e milhares de jovens. E que afirmava claramente sua opção pelo socialismo.

A fundação do PT desagradou a oposição oficial da época. Eram os políticos tradicionais e engravatados do MDB. Os doutores Tancredo, Ulysses, Fernando Henrique e alguns outros, queriam os trabalhadores e estudantes sob suas ordens. E com certeza viam em Lula apenas uma liderança intuitiva, de segundo escalão, pronta a obedecer seus chefes diplomados.

O PT era uma panela de pressão que fervia sobre o fogo das lutas sindicais e populares. Lula mal conseguia manter a temperatura do partido longe do ponto de explosão. Suas posições políticas pessoais sempre foram bastante moderadas. Ele e seu grupo eram favoráveis a alianças mais amplas, a tratar com menos hostilidade patrões e governos e a afastar o partido de posições radicais.

Se dependesse de Lula e seus aliados, o PT teria se tornado um partido da ordem muito mais cedo. Para a sorte dele, as bases do PT não deixaram. Somente assim, Lula viria a se destacar como alguém que não se deixava enganar pelos politiqueiros. Somente assim, o PT foi se credenciando como partido coerente, duro em suas posições, classista e sem medo da cara feia da extrema direita.

A própria figura de Lula colaborava para manter a radicalidade do PT. Ele representa tudo o que a classe dominante brasileira mais odeia. Um pernambucano do sertão, sem diploma universitário, falando errado, incendiando assembléias e comícios. E essa rejeição contaminou os trabalhadores e pobres em geral durante muito tempo. Acostumado a doutores, o povo não queria um operário no poder.

A classe dominante brasileira também ajudou a tornar o PT radical. Se não era a repressão dos militares, era o jogo sujo da oposição do MDB que tornava difícil o caminho da moderação.

Basta lembrar das Diretas Já. Foi o PT que iniciou esse movimento. Rapidamente, multidões encheram as ruas e praças das grandes cidades para exigir eleições diretas para presidente. O MDB não perdeu tempo. Assumiu a direção do movimento e o usou para barganhar uma saída honrosa para a ditadura.

Com isso, o golpe fatal contra o regime dos generais seria dado no Colégio Eleitoral. Longe das ruas e sob controle das classes dominantes. O PT se recusou a participar desse acórdão entre as elites. Foi chamado de obscuro, infantil, incendiário. Mas, ampliava seu patrimônio de coerência e respeito à vontade popular.

Com o fim da ditadura, a vitória de Collor e 10 anos de ataques neoliberais, finalmente o PT começou a trilhar o caminho que Lula sempre defendeu. Por dentro do sistema, fazendo alianças, moderando o discurso, procurando o diálogo com empresários e latifundiários, aceitando medidas neoliberais como um mal menor.

A crise do neoliberalismo no final dos anos 1990 abriu a “janela de oportunidade” que Lula e a maioria da direção do PT souberam aproveitar. Todo o patrimônio de lutas e resistência do PT foi colocado a serviço da vitória nas eleições presidenciais. Com a vitória em 2002, Lula voltava a fazer política por dentro do sistema. Tal como fazia no ABC até ser obrigado a convocar greves contra o regime e não apenas por melhores salários.

O PT foi definhando durante o governo Lula. Não como estrutura. Esta está mais forte do que nunca. Mas como partido de luta e organização com vocação socialista. Para a população, o PT é cada vez mais a caricatura criada pela grande mídia. É o “partido dos aloprados corruptos, dos barbudos agarrados a seus cargos, dos esbanjadores do dinheiro público”.

Tudo isso para quê? Os números oficiais dizem que a renda dos mais pobres aumentou. No entanto, isso vinha acontecendo desde o final da década de 90. O capitalismo não vive só de miséria. Em certos casos, precisa desenvolver um mercado interno mínimo para gerar seus lucros. É possível que seja isso que venha acontecendo há mais de 10 anos no Brasil.

O governo Lula parece ter acelerado esse processo. A melhor maneira de fazer isso é aumentar a renda entre os mais pobres. Por isso, o governo petista foi o que melhor colocou em prática programas sociais. Mas, gente do próprio PT admite que a divisão do bolo tem sido feita entre os que vivem de salário.

A minoria que vive da exploração do trabalho alheio continua intocável. Grande parte da riqueza produzida pelos trabalhadores permanece sob controle de uma elite que representa 1% da população brasileira.

As melhoras econômicas do povo jamais colocaram sob ameaça aqueles que o exploram há mais de 500 anos. A classe dominante agradece penhorada. É o que mostra a lista de patrocinadores do filme sobre a vida de Lula. São milhões de reais da OAS, Odebrecht, Vale, Camargo Corrêa, Oi, Volkswagen. Enormes empresas generosamente amamentadas pelo Estado brasileiro.

Antes, a estrela do PT radicalizava Lula, mesmo contra a vontade dele. Hoje, Lula amaciou o PT sob sua sombra de estadista conciliador. E a candidatura petista para 2010 vem embrulhada numa aliança com o PMDB, o mais fisiológico dos partidos.

Tudo isso é muito complexo para caber num texto sobre cinema. Mas, o filme de Barreto foi explícito demais ao apagar o PT da vida de Lula. Dá graves sinais sobre o que pode acontecer na política nacional em 2010.

Tudo indica que as eleições presidenciais devem se dividir entre duas grandes opções. Ambas, muito tranqüilas para a burguesia. De um lado, o PMDB mandando no País, com o PT enfeitando o trono. Do outro lado, toda a porcaria tucana querendo voltar ao poder. Lula está fazendo tudo para que a primeira opção vença, mas já disse que não ficaria muito triste se perdesse a parada.

Afinal, o Brasil atual é o país dos sonhos daquele Lula enfiado na direção pelega dos metalúrgicos do ABC. Um paraíso do grande capital, em que a explosão de lucros para os de cima faz sobrar migalhas suficientes para os debaixo. É coerente com uma frase que Lula costumava dizer e está presente no filme de Barreto: “Não vou chamar de inimigo quem paga meu salário”. A conseqüência maior dessa política é a manutenção da injustiça e da exploração para a grande maioria dos outros filhos do Brasil.