16 de mai. de 2011

Videogames, violência e indústria da diversão

A indústria de games vem tornando-se mais poderosa que a do cinema. Os jogos violentos são sua principal atração. Mas é perigoso fazer uma ligação direta entre o aumento de sua influência e o crescimento da violência social. É preciso combater a indústria da diversão sem desrespeitar a inteligência de seu público.

Em julho de 2008, “Harry Potter” quebrou o recorde histórico de bilheteria para filmes na semana de estréia. Arrecadou US$ 394 milhões. Desde então, nenhuma produção superou a marca, incluindo Avatar, de James Cameron.

Mas, em maio do mesmo ano, o jogo GTA IV vendeu US$ 500 milhões em uma semana. Deixou o filme da franquia Potter para trás em mais de US$ 100 milhões. E em dezembro de 2010, “Call of Duty” havia alcançado US$ 1 bilhão em vendas, cerca de um mês após seu lançamento.

Não à toa, o próprio cinema vem tentando surfar nesta onda. São cada vez mais comuns filmes baseados em personagens e situações criados para os videogames. Por outro lado, filmes de sucesso podem tornar-se bem sucedidas adaptações para games.

“Call of Duty” simula situações de combate. Sua primeira versão tinha como cenário batalhas travadas durante a Segunda Guerra Mundial. Mas sua versão “Modern Warfare 2” é ambientado nos tempos atuais e em grande cidades. Algumas ações se passam no Rio de Janeiro, com direito a invasão de favelas e tiros em moradores como um mal necessário.

GTA é a sigla para “Grand Theft Auto”. É o nome que a polícia americana usa para identificar furtos de automóveis de valor elevado. O jogo explora situações de extrema violência, roubos, homicídios e prostituição.

Mais recentemente, foi lançado o game Bully. O cenário é uma escola. O jogador é um aluno. Sua missão é sobreviver às panelinhas de alunos, enfrentar o autoritarismo de professores, lidar com brincadeiras maldosas, conquistar garotas e também aprontar com os outros para ganhar pontos.

A indústria dos videogames é coisa muito séria. Está cada vez mais poderosa. No ano passado lucrou US$ 24 bilhões. Números como este e o perfil dos jogos mais vendidos são preocupantes. Mostram o crescimento da influência de um tipo de mídia que ainda recebe pouca atenção.

E quando recebem, costumam despertar reações pouco sutis. Por exemplo, quando os jogos eletrônicos são acusados de tornar os jovens mais violentos. Não há estudos aprofundados sobre tal relação. Nem em relação à TV e ao cinema, que são bem mais antigos, há provas definitivas de que suas atrações tornem seu público mais violento.

Se esta relação de causa e efeito fosse tão direta, conviveríamos com centenas de maníacos assassinos em nossos bairros, famílias, locais de trabalho e de estudo. É só olhar em volta para descobrir muitos adeptos dos jogos, filmes e programas violentos. A maioria deles, envolvida em pacatas atividades e rotinas de vida.

O Japão, por exemplo, tem um dos maiores mercados do mundo para produtos que têm a violência extrema como tema. No entanto, apresenta índices de crimes violentos muito baixos. A violência que atinge os jovens daquele país parece ser de outra natureza. Um fenômeno que se manifesta em um grande número de suicídios.

Não se trata de dizer que os videogames, filmes e séries de TV violentos são inofensivos. Mas, é preciso tomar cuidado com relações que enxerguem no público um amontoado de teleguiados. Ou de seres facilmente programáveis por empresas todo-poderosas.

Críticas como essas foram muito comuns, por exemplo, na época em que as histórias em quadrinhos começaram a se tornar popular. As restrições a esse tipo de produção começou com Mussolini, mas foi adotada também nos Estados Unidos no Pós-Guerra.

O grande problema da condenação pura e simples de produtos como quadrinhos e videogames é ignorar seu apelo lúdico. Uma dimensão legítima e necessária da condição humana.

A indústria do videogame, como a do cinema e dos quadrinhos, somente faz sucesso duradouro quando atende a este apelo sem subestimar a inteligência de seu público-alvo. E é este erro que não podemos cometer ao fazer a crítica desse tipo de indústria. Acusá-la de manipular pura e simplesmente as pessoas pode ser entendido por estas como um menosprezo a sua capacidade crítica.

E isso só piora quando as críticas partem de quem não tem a menor familiaridade com o rico universo que abrange jogos, quadrinhos, seriados e cinema. Os encarregados de criar os elementos desse cosmo são artistas bem pagos, inteligentes, bem informados e muito criativos.

Ao mesmo tempo, a indústria sabe aproveitar as sugestões e idéias que surgem de ambientes virtuais que reúnem fãs e adeptos quase profissionais. Tal ambiente vem dando aos games cada vez mais complexidade, força dramática e qualidade artística.

O fato é que o sucesso dos jogos violentos deve-se muito mais ao ambiente social em que são criados. Seria cômodo dizer que são os games violentos que alimentam a violência. E seria fácil combater tais efeitos. Bastaria proibir sua circulação, como se tenta fazer com armas e drogas.

A ação dos games é mais sutil. Trata-se de reforçar uma lógica social de extrema competição individualista e discriminatória. Mas precisa fazer isso em meio a uma disputa de mercado. Por isso, as estratégias podem variar conforme o momento, o lugar do mercado e a faixa de público que se quer atingir. Daí, os inúmeros tipos de jogos e sua evolução ao longo do tempo.

Nada disso dispensa a necessidade de denunciar a lógica da indústria de games e das diversões em geral. Mas, é preciso fazê-lo unindo razão e sensibilidade de modo a respeitar a inteligência alheia. De preferência, contando com aliados que atuem nesse campo, que já vai se transformando em uma nova e poderosa “arte”.

Do contrário, seria como virar as costas ao cinema, ignorando produções que defenderam a necessidade de lutar por transformações sociais. Correríamos o risco de nos tornar não uma esquerda crítica, mas rabugenta e atrasada. Melhor dizendo, “sem noção!”