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8 de dez. de 2014

Corações e mentes. Do Vietnã ao Iraque

Em 1974, 40 anos atrás, Peter Davis lançava o documentário "Corações e Mentes", sobre a guerra do Vietnã. A obra do cineasta estadunidense marcou época ao denunciar o engajamento americano no conflito como um erro. Como diz um dos entrevistados, ex-assessor de Bob Kennedy, “Nós não estamos do lado errado. Nós somos o lado errado”.

Logo no início da produção, surgem as imagens do presidente Lyndon Jonhson fazendo um discurso. No pequeno trecho destacado, ele afirma que uma vitória americana no Vietnã dependeria do coração e da mente do povo daquele país. Mas o filme de Davis mostra que o destino do conflito também envolvia os corações e mentes do povo estadunidense.

Davis utiliza um vasto material audiovisual de maneira muito inteligente. É o caso das imagens mostrando soldados americanos circulando por entre a população vietnamita em Saigon. De um lado, homens altos, robustos, envergando fardas novas. De outro, nativos baixos, muito magros, com a pele queimada pelo sol e vestindo roupas humildes.

Na zona rural, este contraste é ainda maior e mais violento. Aldeias inteiras são bombardeadas por aviões. No solo, soldados americanos brutalizam homens e mulheres, crianças e idosos acusando-os de serem cúmplices do inimigo. Sob o olhar desesperado dos aldeões, os militares ianques colocam fogo na palha que cobre o teto de suas casas.

Foi “Corações e Mentes” que popularizou as imagens que mostram uma menina correndo vietnamita sem roupas, queimadas juntamente com sua pele por napalm. Ou o tiro disparado à queima roupa na cabeça de um vietnamita, com as mãos algemadas, na rua e em plena luz do dia.

Outro recurso utilizado por Davis foi a discrepância entre imagens mostrando cerimônias e eventos patrióticos americanos e as cenas terríveis de uma guerra travada contra um povo militarmente muito mais fraco. É o orgulho nacional tornando-se arrogância imperialista. O espalhafatoso orgulho cívico é igualmente confrontado com imagens de grandes manifestações em meio aos monumentos de Washington.

Mas há também curiosos contrastes entre momentos diferentes de um mesmo depoimento. Isso acontece quando veteranos falam sobre suas expectativas e experiências em campo de batalha. No início de seus testemunhos, estes homens falam do orgulho de servir seu país, da nobreza da causa, da expectativa de grandes feitos militares e da eficácia técnica de seus modernos armamentos.

Os depoimentos estão divididos em trechos distribuídos ao longo do filme. Aos poucos, eles vão se tornando amargurados e perdem a aparente convicção inicial. E à medida que isso acontece, a câmera deixa de enquadrar apenas os rostos dos entrevistados para mostrar seus corpos mutilados pela guerra. Alguns deles participam de manifestações e eventos pela retirada das tropas americanas do território vietnamita.

Ainda como parte desse jogo de contrastes extremos, é muito citada a sequência que compara o depoimento de um general americano às cenas de um funeral coletivo no Vietnã. O alto oficial ianque afirma: “Os orientais não dão o mesmo valor à vida humana que os ocidentais. A morte não é nada para eles”. Ao mesmo tempo, são mostradas imagens de uma senhora desesperada que tenta se atirar à cova de um parente e de uma criança chorando dolorosamente a perda de alguém de sua família.

O filme foi lançado já em meio à retirada total das tropas ianques de território vietnamita, após serem derrotadas vergonhosamente. Os protestos populares contra a participação americana no conflito começaram em 1960, um ano após o envio das primeiras forças militares. Portanto, o filme já é produto de um clima de profundo mal-estar em relação àquela intervenção militar na Indochina. Mais que isso, o material que exibe é ele próprio grande responsável pela virada da opinião pública estadunidense contra a guerra.

Por outro lado, é muito provável que “Corações e Mentes” tenha colaborado para transformar a traumática derrota americana em uma onda contra-hegemônica que, pela primeira vez, questionou em escala de massa as ações imperialistas estadunidenses pelo mundo.

Um movimento que colocou em xeque também o consenso e os dispositivos de dominação que justificavam e alimentavam aquelas ações. Em especial, o racismo, a ditadura do partido único democrata-republicano, um Estado muito vulnerável às pressões do fundamentalismo judaico-cristão, os monopólios da grande mídia e um enorme aparato estatal de repressão, controle e vigilância.  

Se a Segunda Guerra pode ser considerada o conflito que contou com a maior cobertura fotográfica até então, a Guerra do Vietnã juntou às imagens fixas uma abundante cobertura televisiva.  A transmissão simultânea e em cores das sangrentas consequências que todas as guerras provocam entravam em contradição com a narrativa relativamente limpa e romântica das produções cinematográficas sobre a guerra contra o nazifascismo, por exemplo. Com o agravante de que o poderio bélico muito inferior do inimigo “vietcongue” enfraquecia as tentativas do governo americano de criar uma imagem dos inimigos como orientais fanáticos e cegos pela disciplina comunista.

Este erro a cúpula militar americana não voltaria a cometer na Guerra do Golfo de 90/91, por exemplo. A cobertura jornalística passou a ser cada vez mais controlada diretamente pelo Pentágono. Para isso conta com o auxílio entusiasmado da mídia empresarial, que exerce autocensura ou veta reportagens de seus próprios repórteres.

Esta blindagem contra a divulgação dos crimes de guerra cometidos pelas tropas estadunidenses começou a apresentar algumas rachaduras com a popularização da tecnologia móvel e interligada mundialmente. Imagens digitais feitas por civis, forças anti-imperialistas ou pelos próprios soldados americanos vazam por entre as brechas do bloqueio militar-midiático.

No entanto, a internete, principal canal para a circulação desse tipo de informação, também começa a mostrar limites cada vez mais rígidos. Por um lado, há o uso de seu fluxo de dados pelos serviços de inteligência imperialistas para identificar e perseguir críticos a suas ações. Por outro lado, a natureza crescentemente fragmentária e fragmentada da rede mundial dificulta a divulgação das denúncias para muito além dos círculos de esquerda.

Como há 40 anos, a questão decisiva continua a ser a criação de uma ampla reação contra-hegemônica. Continua a envolver a disputa por corações e mentes.

10 de mai. de 2010

A cara de pau do Homem de Ferro neoliberal

“Homem de Ferro 2” é conservador. E não esconde isso. Representa bem a união entre indústria, governo e forças armadas em defesa do mercado.

O novo filme do Homem de Ferro começa com um show. O super-herói aterrissa num palco entre dançarinas bonitas e faz um strip-tease de sua armadura para mostrar-se como empresário sucesso.

Em seu elegante terno, Tony Stark esbanja charme enquanto diz em alto e bom som que é o responsável pela paz americana. Diante de milhares de pessoas afirma que graças a ele o Tio Sam pode beber seu “chá gelado tranquilamente em sua cadeira de balanço”. Afinal, não há ninguém “que seja homem suficiente” para derrotá-lo.

Só a ótima atuação de Robert Downing Jr. salva a cena do completo ridículo. Mas, o que importa é a semelhança de seu discurso com aquele do governo americano após a queda da União Soviética, no início dos anos 1990. A diferença é que Ronald Reagan era um péssimo ator.

Tal semelhança não pode ser coincidência quando se revela que o inimigo mais perigoso do Homem de Ferro é um russo. Trata-se de Ivan Vanko (Mickey Rourke), filho de um cientista que trabalhou para os soviéticos. Vanko é inteligente, mas sua grande força física não tem a sutileza e a elegância do Homem de Ferro.

A diferença entre os dois lembra aquela que existia entre as economias soviética e americana. A primeira arrastava-se sob o peso de um capitalismo administrado pelo Estado. A segunda devia sua agilidade a um Estado empurrado pela rapidez com que o mercado ataca os direitos dos trabalhadores.

No filme, Stark representa a avançada indústria moderna. Alta tecnologia em máquinas e programas de computador combinada com armamento pesado. Tudo a ver com os objetivos do império americano.

No entanto, como típico empresário neoliberal, Stark só aceita usar seu poderio tecnológico como quer e segundo seus critérios. Se isso coincidir com os objetivos da sociedade, tudo bem. Claro que sendo um industrial, tais objetivos só podem estar relacionados aos interesses de quem está no poder. Por isso, ele ridiculariza o senado americano, mas no final mostrará que não se trata de coisa séria.

Mesmo as brigas de Stark com o amigo James Rhodes (Don Cheadle) são coisas de antiga camaradagem. Rhodes é coronel do Exército. A parceria entre eles parece representar o complexo industrial-militar que governa os Estados Unidos. Suas diferenças são facilmente superáveis em nome de objetivos parecidos. Dominar o mundo e lucrar muito com isso.

Justin Hammer, muito bem representado por Sam Rockwell, é apenas o empresário que não entendeu bem o jogo do poder. A apresentação de seu exército robótico na feira de Stark é de arrepiar. Monstros de metal, prontos a matar em qualquer parte do mundo. Mas, é de mau gosto apresentá-los dessa forma. E vai contra a lógica individualista, que precisa de um herói de carne e osso para entusiasmar o povo.

Aviões robôs já andam voando por aí, matando inocentes na Palestina, Iraque, Afeganistão. No entanto, não se deve dar mais destaque a sua tecnologia do que aos supostos objetivos a que servem: livrar o mundo do terrorismo para salvar a humanidade. O diabo é que a humanidade também está na linha de tiro. Hammer é derrotado, como são alguns empresários na cada vez mais selvagem competição capitalista.

No final, o super-herói, o coronel e o senador aparecem posando para fotos. A indústria, o exército e o governo abraçados. Meio a contra gosto, é verdade. Nada que não se revolva com muito dinheiro e mísseis.

O maior vencedor é Stark. A vitória é do mercado, dos valores individuais, do executivo que adora uma farra, mulheres bonitas e carrões. Às vezes, de smoking, às vezes, com um pijama de ferro. É o neoliberalismo, na maior cara-de-pau, mostrando que está muito longe de enferrujar.

3 de ago. de 2009

Trama Internacional poupa o verdadeiro vilão

Um filme que tem como vilão um banco poderia ter mostrado os crimes do capitalismo contra a humanidade. Ficou apenas na denúncia de alguns banqueiros maus.

Tom Twyker diz que não fez Trama Internacional pensando na atual crise capitalista. Segundo ele, as filmagens começaram bem antes do estouro da “bolha das hipotecas” nos Estados Unidos. A própria trama mostra que ele diz a verdade. Está longe de ter algo a ver com a crise.

O vilão da história é um banco internacional que financia organizações de espionagem, traficantes, mafiosos e ditadores de países pobres. Clive Owen é o agente da Interpol, Louis Salinger. Ele está em busca de provas contra o poderoso banco junto com a assistente da promotoria de Manhattan, Eleanor Whitman (Naomi Watts).

Seguindo o rastro de operações ilegais, Salinger e Whitman vão dos Estados Unidos à Turquia, passando por Alemanha e Itália. A cena mais marcante é a do tiroteio no famoso Museu Guggenheim, em Manhattan. São 15 minutos de tiros que transformam o lugar num queijo suíço. Correrias e tiros. O filme quase se reduz a esse tipo de ação.

Há um momento no filme em que um executivo do banco negocia com um militar da Libéria, país africano. O banqueiro oferece ao liberiano armas para a tomada do poder e a instalação de uma ditadura no país. O general africano pergunta quanto o banco cobraria por isso. O executivo diz que não cobraria nada porque dinheiro não é a única moeda de troca de seu banco.

Deveria ter dito que nenhum banco trabalha só com dinheiro. Aliás, nem o capitalismo funciona só com dinheiro. Funciona com capital. Que é dinheiro que se transforma em mais dinheiro. Melhor dizendo, valor-de-troca que se transforma em mais valor-de-troca. E valores-de-troca se diferenciam dos valores-de-uso exatamente por não terem uma finalidade determinada. Só existem para serem trocados.

É assim desde os tempos das primeiras atividades comerciais. Só que no capitalismo, a produção de valor-de-troca passa a dominar a vida social. É por isso que as crises capitalistas são causadas por abundância e não por escassez. Não faltam valores-de-uso. Os estoque estão cheios. Falta gente com valor-de-troca suficiente para comprar os valores-de-uso. Os bolsos estão vazios.

Esse processo de circulação tem invadido a vida humana de forma intensa nos últimos 150 anos. Quase tudo ganhou um preço. Da fé religiosa aos créditos de carbono. Ou seja, o acesso à espiritualidade e ao ar que respiramos torna-se cada vez mais uma questão de possuir valor-de-troca. Pode ser dinheiro, mas aceitam-se cartões, cheques pré-datados e ações na bolsa.

Os bancos são só parte mais aparente desse sistema todo. Afinal, são eles que cuidam da compra e da venda de dinheiro em suas mais variadas formas. No entanto, já não é possível separar bancos de empresas. Capital bancário e capital industrial estão juntos há mais de um século. Bancos têm representantes nas direções das grandes empresas para as quais emprestam dinheiro. Empresas têm seus próprios bancos e financeiras. Não há mais separação entre capital produtivo e "capital parasitário". À medida que o valor-de-troca invadiu a vida humana, espalhou seu "parasitismo".

A verdade é que para a circulação do capital pouco importa se o comércio de drogas é ilegal ou não. Ou se o fornecimento de armas é para governos de ditadores ou não. Tabaco e álcool matam mais do que cocaína e maconha, sem disparar um só tiro. Os governos dos Estados Unidos, Inglaterra e Israel são responsáveis por mais mortes violentas no planeta do que todas as ditaduras estúpidas do mundo pobre. E a produção capitalista de alimentos, plástico, automóveis está ameaçando a vida humana sem praticamente desobedecer nenhuma lei.

Transformar os bancos nos únicos vilões é um bom negócio para o capitalismo. Com isso, parece que um dia o sistema pode funcionar bem. O problema é que o filme de Twyker nem isso faz. Os bandidos são apenas alguns banqueiros maus. O que poderia ser uma denúncia do próprio funcionamento do capitalismo vira só uma história sobre homens maus usando um banco para fins criminosos. O verdadeiro vilão, o sistema, escapa sem arranhões. Talvez, porque seu funcionamento torne possível obras como Trama Internacional. E vice-versa...