28 de jan. de 2012

Menos Google e Facebook, mais luta

Ferramentas como Google e Facebook podem até ajudar nas mobilizações sociais. Mas são mecanismos criados principalmente para aumentar o consumismo e a alienação. Só de forma muito eventual podem servir à transformação social.

Quem usa a ferramenta de busca do Google sabe como é. Você começa a digitar uma palavra para fazer uma pesquisa e o programa se encarrega de completá-la. É como se adivinhasse nossos pensamentos.

O recurso pode até ser desativado. Mas isso não é possível em relação a outros mecanismos, igualmente utilizados por ferramentas como Google e Facebook. A pretexto de nos facilitar a vida, elas nos levam por caminhos que não escolhemos. Geralmente, estão a serviço do consumo.

Se você costuma consumir usando a internete faz parte de uma minoria. Ainda. A previsão de crescimento do chamado “e-commerce” é de 30% ao ano. Já nas vendas tradicionais a expansão não deve passar de 5%. As vendas por meios virtuais em 2010 representaram 4% do varejo no Brasil. Mas a participação deve chegar a 8% em 2015.

O custo bem menor em contratação de pessoal e instalações tem tudo para tornar esse tipo de transação comercial majoritário em algumas décadas. O problema é que o “e-commerce” não é apenas uma forma mais ágil e econômica de comprar. Seu poder de induzir ao consumo, ao mesmo tempo em que aliena o comprador é bem maior.

É só imaginar uma loja de departamentos que altere seu layout de acordo com o gosto de cada cliente que entra nela. Você adora literatura, por exemplo. É só passar da soleira da porta da loja para que estantes cheias de livros brotem na sua frente. É doido por surfe? Uma coleção colorida de pranchas e acessórios surge no seu caminho.

Na loja física, isso seria impossível. Na virtual, isso já acontece graças ao uso do que os programadores chamam de algoritmos. Comandos que identificam a freqüência de acessos do usuário para cada tipo de produto.

Se eu acesso com muitas vezes a sessão de filmes numa loja eletrônica, ela passa a me oferecer produtos desse tipo. Basta que eu aceite me identificar cada vez que entrar na página. Algo que terei que fazer se quiser adquirir uma mercadoria.

Há três grandes problemas nesse tipo de relação. Em primeiro lugar, a já temida perda de privacidade. Nossos dados estão espalhados pela rede. Nossos gostos, preferências, vícios, relações. E não apenas pela parte abertamente comercial da rede. O acesso gratuito a serviços de e-mail, arquivamento de dados, programas, jogos, torna essa oferta de informações cada vez mais voluntária.

Em segundo lugar, está o consumismo. O conforto e facilidade do acesso aos produtos facilitam e incentivam o consumo. Daí para o consumismo pode ser um pulo. Um problema que está longe de ser de segunda ordem. A produção de desperdício e lixo no planeta está chegando a níveis que colocam em risco a vida em muitas partes do planeta.

Um terceiro problema é a acentuação da visão parcial e isolada das coisas humanas. Posso achar que literatura é a melhor coisa do mundo. Mas não seria bom achar que somente ela apresenta essa condição. E mesmo no âmbito da produção literária, não seria bom considerar, por exemplo, que somente livros policiais valem a pena ser lidos.

É isso o que a rápida e fácil adaptação ao gosto da clientela oferecida pelas lojas virtuais podem fazer. Afastar seus consumidores de muitas das possibilidades oferecidas pela criatividade humana. O mesmo pode acontecer em ambientes menos comerciais. O fato é que para a lógica que impera ou somos consumidores ou não somos nada.

Mas os efeitos dessas ferramentas não se limitam à esfera do consumo. Do mesmo modo que influenciam de forma tão poderosa nossas decisões de mercado, também dominam a formação de nossas opiniões e escolhas.

No Facebook, por exemplo, há comandos que fazem desaparecer links menos freqüentados. Pode ser uma comodidade, por um lado. Por outro lado, é uma limitação perigosa.

É perfeitamente compreensível que alguém goste de futebol e odeie política. Mas isso não quer dizer que a política tenha que ser ignorada. Gostemos ou não, é importante saber o que acontece nos governos, parlamentos ou nas ruas e praças ocupadas por pessoas revoltadas. Afinal, esse tipo de atividade costuma determinar os rumos de nossas vidas.

Muita gente considera a Matemática um pesadelo. Nem por isso aceitaria abolir a ciência dos cálculos da vida social. Os filtros utilizados pelo Google e Facebook fazem algo parecido. Dão a impressão de que a matemática e a política sumiram. Mas elas continuam agindo e influenciando pesadamente a vida de todos.

É provável que esta seja a dimensão mais poderosa desse tipo de mecanismo. Claro que é perigoso permitir que uma grande quantidade de dados privados acabe estocada nos servidores desses grandes monopólios da informação. Eles poderiam ser facilmente utilizados pelo Estado em uma caça às bruxas contra lutadores sociais, militantes e líderes populares.

Mas lutadores, militantes e lideranças populares ficam muito menos perigosos se não conseguem atrair a atenção da maior parte da sociedade. Principalmente, de seus setores mais explorados e oprimidos. E é isso que mecanismos como o Facebook e Google fazem. Isolam aqueles que lutam por transformações políticas e sociais da maioria das pessoas. Erguem uma barreira feita de insistentes apelos ao consumo e ao individualismo.

A criação do Google, Twitter e Facebook não foi um raio num céu azul. A genialidade de seus criadores é inegável. No entanto, seu surgimento corresponde à lógica econômica e social do capitalismo. São apenas o estágio mais recente e evoluído da capacidade que os controladores do sistema têm para monopolizar nossa atenção. Representam mais uma vitória da burguesia na disputa por hegemonia. Assim como aconteceu com a utilização da imprensa, do rádio, do cinema, da TV.

A grande diferença que esse tipo de comunicação apresenta é sua interatividade. E isso aconteceu porque o Capital precisou facilitar e agilizar a troca de mercadorias e informações. Do contrário, não conseguiria manter suas taxas de lucros. Algo que os monopólios tradicionais da radiodifusão já não estavam conseguindo fazer.

De um lado, essa característica abriu novas brechas para usos contra-hegemônicos das “redes sociais” e assemelhados. Por outro lado, trata-se de um tipo de comunicação tão monopolizado por grandes corporações quanto outras mídias.

Então, a luta tem que ser a mesma. Pelo fim dos monopólios dos meios de comunicação, incluindo a rede mundial de computadores. Podemos até usar Twitter, Facebook, Google pra travar essa luta, mas sem ilusões. Para cada internauta engajado socialmente, há milhares de seguidores presos nas redes criadas pelos Zuckebergs do mercado.

A mobilização social não exclui a utilização de Google, Twitter ou Facebook. O perigo é substituir a luta real por batalhas virtuais com alcance muito limitado.