5 de jun. de 2010

Um Robin Hood bem classe média

No filme de Ridley Scott, o príncipe dos ladrões parece mais um barão de classe média. Talvez, porque roubar dos ricos para dar aos pobres dependa de que ambos continuem a existir.

“Em tempos de tirania e injustiça, quando a lei oprime o povo, o fora-da-lei assume o seu papel na História. Isso aconteceu com a Inglaterra na virada do século 12”. A mensagem que inicia o filme era um dos princípios defendidos pelos burgueses quando surgiram como classe social.

A burguesia atual não gosta de lembrar isso. Em sua maturidade esclerosada prefere esquecer as loucuras da juventude, quando chegou a cortar cabeças coroadas. De qualquer maneira, o princípio refere-se à troca de governos no interior de um Estado de classe, não à extinção do próprio Estado. Este último é o objetivo dos socialistas revolucionários, incluindo os anarquistas. Aquele é o dos que querem manter a exploração de uns sobre os outros, incluindo muitos dos que se dizem socialistas.

No filme estrelado por Russell Crowe, o herói da floresta de Sherwood quase não aparece como o príncipe dos ladrões. Está mais para um barão de classe média. Nem é rei, nem é servo. Só quer um governo justo, não o fim de toda dominação e exploração, base das injustiças cometidas por todo governo.

O filme começa com o retorno de Ricardo Coração de Leão, após 10 anos de ausência. Entre os soldados de sua tropa, está Robin Hood, ainda conhecido como Robin Longstride. Diferente das versões mais conhecidas da história, o rei Ricardo morre logo no início. Durante o assalto a um castelo francês é atingido pela flecha certeira disparada por um cozinheiro. Talvez, uma brincadeira sobre a superioridade gastronômica do inimigo.

Morto o rei, Robin deserta do exército. Pretende cuidar da própria vida. Mas, o destino não deixa. Entre idas e vindas, acaba envolvido no combate a uma conspiração. Um nobre inglês alia-se ao rei da França para conquistar a Inglaterra.

Ao mesmo tempo, conhece Lady Marion (Cate Blanchett). Viúva, ela cuida de sua propriedade sozinha. Passa maus bocados com os impostos reais de um lado e o dízimo da Igreja, do outro. Só falta fazer um discurso sobre o peso da carga tributária. Tudo muito classe média.

Na versão de Scott, o maldoso Xerife de Nottingham fica em segundo plano. O vilão mesmo é Lorde Godfrey (Mark Strong), que colabora com os franceses. Outro vilão é o rei João (Oscar Isaac). Egoísta, maldoso, cheio de ambição e preguiça, ainda tem a péssima idéia de aumentar os impostos para fazer guerra aos franceses. O que deixa os barões furiosos. Querem derrubar o rei. Nem que para isso seja preciso apoiar uma invasão francesa.

São convencidos do contrário por Robin. O inimigo são os franceses, diz ele. Derrotados estes, cuidariam do rei João. E é o que acontece. Em troca de terem livrado o país dos invasores, os barões impõem ao soberano a assinatura de um documento que limita seus poderes. É a famosa Magna Carta, que seria o marco do início da monarquia constitucional inglesa.

Seria mas não foi. João coloca fogo no documento pouco depois de assiná-lo. Compra a maior briga com os barões. Só aí, Robin torna-se o fora-da-lei de que fala a mensagem do início do filme. Veste o capuz (o hood) dos bandoleiros e foge para a floresta.

O fato é que a simples assinatura de um rei nunca garantiu o respeito a direitos plebeus. Na vida real, o rei João não queimou a Magna Carta. Apenas deixou de cumpri-la. Foram necessários mais de quatro séculos até que a monarquia passasse a respeitar leis. Não com assinaturas em documentos, mas com a decapitação de Carlos I. Um ato que a burguesia nascente foi obrigada a cometer, pressionada pela luta de classes e não pela revolta com impostos altos.

Mas nada disso interessa a nosso herói. Junto com Marion, Robin parte para a floresta, onde não há “impostos, nem dízimos”. Lá, eles podem fazer um pouco de justiça social. A cena final parece comercial de ONG. Cercados por crianças sorridentes, eles cumprem sua missão de roubar dos ricos para dar aos pobres. Só que para isso, é preciso que uns e outros continuem a existir. E esta não é a principal razão de ser de muitas ONGs? Bem classe média.

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