O filme de Kathryn Bigelow denuncia os terríveis efeitos da ocupação do Iraque em soldados americanos. Não mostra o sofrimento do povo iraquiano. Acaba justificando o terror imperialista.
Guerra ao terror conta a história de soldados americanos que estão a poucos dias de deixar o Iraque. Eles formam uma equipe anti-bombas. Desempenham uma atividade que envolve enorme tensão. Não só pelo trabalho em si, mas porque deixa claro o enorme ódio que cerca a presença das tropas invasoras.
Não se trata de combate aberto diante de tropas armadas. São ameaças que partem de civis. Gente aparentemente pacata, desarmada, ocupada com suas tarefas cotidianas. São pessoas que podem fazer um gesto e pôr abaixo um prédio. Acelerar um automóvel e destruir um quarteirão. Largar uma sacola e despedaçar alguns soldados. Explodir o próprio corpo e matar um pelotão inteiro.
A câmera agitada e a imagem com cores apagadas dão ao filme um clima de documentário. O cenário é árido e seco. Sem árvores. “Sem grama”, como diz um dos personagens. Quando não estão em combate, os soldados dividem um ambiente de desesperada violência masculina. Tudo isso torna o filme um belo trabalho de suspense e ação.
A produção também poderia ser uma denúncia radical do crime que representa a ocupação do Iraque. Não é. Não é principalmente porque o ponto de vista adotado é o mesmo das tropas invasoras. Um olhar cego à violência que sofre um povo dominado por estrangeiros. Por isso, há pouco espaço para entender algo tão desesperado como a ação dos homens-bomba.
No entanto, algo parecido ocorreu em vários momentos da história de outros povos sob ataque. Ou seriam menos suicidas as ações do povo francês em defesa da República de 1789 contra as poderosas monarquias da época? Ou dos russos, defendendo sua revolução contra exércitos de 14 países? E o combate da Comuna de Paris contra os exércitos franceses e alemães unidos? Sem falar na heróica luta dos vietnamitas.
Na falta de um contexto para o comportamento dos iraquianos, muitos de nós podem adotar a estranheza com que os soldados invasores olham para eles. Fica difícil entender porque aquele povo odeia tanto aqueles que o libertaram do diabólico Saddam Hussein.
O fato é que tal ponto de vista não dá conta de uma grande contradição. Se Saddam era um ditador sanguinário, não poderia ser derrubado por aqueles que o tornaram poderoso. Aqueles que armaram sua ditadura e aprovaram sua brutalidade não podem ser melhores do que ele.
E isto ficou mais do que provado. Hoje, o Iraque não passa de uma possessão dos Estados Unidos. É seu campo de petróleo mais produtivo. Um dos melhores investimentos para suas grandes empresas. Um campo de extermínio humano para testar suas modernas armas.
Pior que isso, os invasores não respeitam suas tradições, seus costumes, suas crenças. Só lhes têm desprezo. Diante disso, a resistência iraquiana utiliza todas as suas armas. E a principal delas é a consciência de que lutam uma guerra justa. Guerra ao terror não mostra este lado.
Num dos momentos mais tensos do filme, surge um homem em cujo corpo foram colocadas bombas contra sua vontade. Em outra cena, a equipe descobre uma bomba dentro do cadáver de um garoto.
Claro que ações desse tipo ocorrem no Iraque. Mas, não podem ser muito freqüentes. Ou não deveriam. Do contrário, a resistência iraquiana perderia apoio rapidamente. Também ela se tornaria tão ruim quanto os invasores que combate.
Quanto às tropas invasoras, muitos de seus membros também julgam lutar por valores justos. Liberdade, democracia, justiça. Nada disso é confirmado pela realidade. Querer impor liberdade, justiça e democracia só leva a mais opressão, desigualdade e autoritarismo.
No entanto, soldados não são treinados para entender as razões de uma guerra. São adestrados para vencê-la a qualquer custo. No caso dos soldados americanos, diante do enorme poder de seu exército, o maior prejuízo tem sido a perda de sua saúde mental.
Denunciar essa situação parece ser o principal objetivo do filme de Bigelow. A disposição com que o personagem principal desarma bombas e manipula explosivos mostra que para ele a guerra funciona como uma droga.
É isso o que diz o letreiro inicial do filme: “A emoção da batalha costuma ser um vício forte e letal, pois a guerra é uma droga”. Trata-se de uma frase do correspondente de guerra, Chris Hedges. Guerras nunca são boas. Mesmo quem passou por conflitos militares convicto de que foram necessários, com certeza teria preferido viver sem essa terrível experiência.
Mas, há guerras que precisam ser travadas. Aquelas de libertação nacional. As que combatem a dominação e a exploração. Impedem o avanço do fascismo. Defendem um mundo livre da destruição capitalista.
O final do filme de Kathryn Bigelow parece dizer que, apesar de tudo, a guerra travada no Iraque merece ser lutada. Até admite que seus motivos são duvidosos, mas, como diria Obama, “nossos rapazes estão lá e precisam de uma saída honrosa”. Ainda que isso implique aterrorizar um povo inteiro. São as razões de quem lidera o imperialismo mundial. Por isso Guerra ao Terror vem recebendo o reconhecimento de sua indústria.
7 de fev. de 2010
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Um comentário:
Oi Sergio,
Eu não vi o filme, mas não fiquei surpreso com a premiação que recebeu. Seu texto confirma o que pensei sobre ele. É um filme que no fim justifica a ocupação americana no Iraque e Afeganistão de forma unilateral.
Valeu pelo texto.
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