O modo como a grande mídia age é parecido com o chamado "princípio da incerteza" da física quântica. Quanto menor o objeto estudado, menor a precisão com que é registrado. O tamanho da mídia altera os fatos que pretende descrever. A única certeza é a de que esse mecanismo está a serviços dos poderosos.
Em 1997, Patrick Champagne publicou o artigo "A Visão Mediática", em um livro organizado por Pierre Bourdieu chamado "A Miséria do Mundo". Nele, Champagne alertava para o modo como a mídia focalizava problemas sociais nas grandes cidades. Segundo ele, a mídia aumenta alguns problemas por interesses próprios. Exagera para vender mais, aterrorizar ou fazer uso político. Mas, essa interferência também leva os setores focalizados a assimilar essa interferência e se preparar para dizer "o que a mídia quer".
Ônibus 174 e PCC
Em 12 de junho de 2000, o seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro foi filmado em tempo real. Por quatro horas, as televisões mostraram o caso ao vivo, paralisando o país. Mais tarde, o acontecimento transformou-se num ótimo e triste filme. "Ônibus 174" de José Padilha mostra toda a estupidez que cercou o episódio. Mas, também é um claro testemunho da enorme influência que a presença da mídia no local teve no desfecho do caso. Tanto Sandro, o seqüestrador, como a polícia, tiveram o tempo todo a mídia como referência maior. Permanecer sob os holofotes era fundamental para Sandro. Evitar a morte tanto do criminoso, como da refém diante das câmeras era crucial para as autoridades. Somente a incompetência e a crueldade policial acabaram levando a um desfecho mortal para ambos.
Mais recentemente, em maio e julho de 2006, a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) fez uma série de ataques em São Paulo e outros estados. Seu líder é conhecido como Marcola. Em 23/5/2006, o colunista Arnaldo Jabor publicou "Estamos todos no inferno", no jornal "O Globo". Tratava-se de uma entrevista imaginária com Marcola. Nela, o líder criminoso faz discursos falando sobre problemas sociais, luta de classes, corrupção e falência do Estado etc. Na internete, o texto ganhou condição de entrevista verdadeira. Mais confusão. Muita gente viu no chefe do PCC um novo líder revolucionário ou algo assim. Esse pessoal iniciou (ou retomou) teorias sobre o "crime organizado" como nova vanguarda ou coisa parecida. Desmentidos circularam pela internete e alguns jornais. Mas, ainda há quem pense que a entrevista é verdadeira e tira as conclusões mais estranhas com base nisso.
O “empurrão” da luz e o peso da mídia
Tudo isso mostra como a grande mídia não se limita a registrar os fatos. Ao contrário, na medida em que o faz interfere em suas conseqüências. Seja distorcendo o passado, seja condicionando o futuro. Parece o que acontece quando entra em ação o chamado "princípio da incerteza" na física quântica.
Em 1927, Werner Heisenberg formulou esse famoso princípio matemático. Como explica Marcelo Gleiser (Folha de São Paulo – 16/11/2003) em dimensões muito pequenas:
"...existe um limite máximo na precisão com que a posição e a velocidade de uma partícula, como o elétron, podem ser medidas conjuntamente. Nessas dimensões tão minúsculas, medir significa perturbar (...). É que as dimensões são tão pequenas, que a luz utilizada para observar “empurra” o objeto, alterando suas coordenadas".O pesquisador nunca sabe exatamente onde está seu objeto de estudo. Já, as coisas à nossa volta são grandes demais para que isso aconteça. Assim, quanto maior o tamanho, menor a incerteza quanto a suas medidas.
Mas, no caso da grande mídia, não é o objeto que é pequeno. E ela, como instrumento monopolizado e a serviço dos poderosos, que se agigantou diante de outros elementos. Desse modo, modifica aquilo que registra. No caso de Jabor há um agravante. A ficção se mistura ao noticiário. A mídia vai tornando-se uma coisa só. Informação e invenção confundem coordenadas já tão embaralhadas.
Numa tal situação, é claro que há um elemento involuntário. O próprio peso da grande mídia acaba distorcendo os fatos, independente da vontade de quem nela trabalha. O problema é que não estamos falando de leis da física. Por trás de uma ferramenta tão poderosa há interesses bastante definidos. Aí, não há incerteza. O objetivo é claro e certo: causar confusão para manter a dominação ideológica e vencer desafios à ela. São os interesses de seus proprietários, seus patrocinadores e daqueles que zelam pela manutenção dos monopólios: empresários e governos.