Mônica e sua turma ficaram adolescentes e agradaram. É grande sucesso de vendas. Mas, continua mostrando uma sociedade que existe para poucos.
Em outubro de 2008, Mauricio de Souza completou 50 anos de carreira. Mostrou que continua talentoso e com ótimo faro para negócios. Lançou a Turma da Mônica Jovem. Renovou seu grande sucesso nacional e internacional. A primeira edição vendeu 200 mil exemplares. Os outros dois números venderam, juntos, 500 mil. A publicação ficou várias semanas entre as mais vendidas.
As razões são muitas. O estilo mangá, inspirado nos quadrinhos japoneses é uma delas. Trata-se de uma linguagem que caiu no gosto das crianças e adolescentes no mundo todo. A excelente equipe de roteiristas é outro trunfo há muitos anos. As histórias são dinâmicas, engraçadas, ligadas aos modismos do momento e em linguagem idêntica àquela falada pela maioria dos jovens.
As devidas adaptações foram feitas. E elas revelam muita coisa. Cascão agora toma banho. Sua atração pela sujeira transferiu-se para um jeitão bagunceiro e simpático. Cebolinha só troca letras quando fica nervoso. O que dá um certo charme ao homem em que ele vai se tornando. Magali continua faminta, mas segura a gula para cuidar do corpo. Mônica ainda é forte e mandona, só que sua personalidade a transformou numa líder.
Ou seja, as manias e características da turma mirim não a tornaram um bando de jovens problemáticos. Magali teria tudo para sofrer de obesidade mórbida. Cascão poderia ser o cara que não vai bem na escola e anda em más companhias. Cebolinha poderia transformar-se num jovem tímido e solitário. Mônica, uma pessoa autoritária e insuportável.
As preocupações com consumo também estão mais presentes. Nem tanto nas tramas. Passeios a lojas e shoppings até aparecem. Mas é mais sutil que isso. Continuam os episódios que mostram a luta do bem contra o mal e as confusões envolvendo situações cotidianas. A turma infantil usava sempre as mesmas roupas simples.
Já, a tribo adolescente veste roupas diferentes e bonitas em suas aventuras. Não é preciso convidar diretamente ao consumo. Basta mostrar que o padrão de beleza e dignidade que vale depende mais daquilo que se tem e não daquilo se é ou faz. Combater o mal e resolver os problemas do dia-a-dia, tudo bem. Mas com roupas de grife.
Claro que Mauricio e sua equipe não iriam retratar Mônica e seus amigos como jovens problemáticos. Não seria uma aposta feliz em termos de mercado. E o apelo ao consumo tem tudo a ver com um empreendimento que sempre soube vender sua marca. Em termos de qualidade de produção e capacidade de vendas, Maurício de Souza é o Walt Disney brasileiro.
Desde seus primeiros trabalhos em revista em quadrinhos, Mauricio soube se adequar ao mercado que nascia. Crescendo junto com a urbanização da sociedade brasileira. Acompanhando a ampliação da dimensão do consumo na sociedade. Beneficiando-se de uma expansão da indústria editorial que praticamente o tornou o único grande produtor nacional de quadrinhos. Um gênio criativo e comercial, sem dúvida.
Mas para chegar tão longe, sua obra só podia vender uma visão conformista da sociedade. O fato é que a Turma da Mônica sempre retratou uma realidade que nunca foi a da maioria das crianças e adolescentes. O bairro do Limoeiro não é rico, mas não é favela, nem periferia pobre. Quase toda a turma é formada por crianças brancas. Elas estudam em escolas bem arrumadas e contam com lazer e diversão. Vão a médicos e dentistas sem maiores dificuldades. Pra completar, Cascão, o garoto bom de bola e que não gosta de tomar banho, tem todo jeito de ser negro.
Não se trata de considerar Maurício um racista e sua equipe um bando de conservadores. No entanto, o mercado impõe condições duras para o sucesso. Não é preciso mais do que ficar no nível do senso comum para fazer o jogo dos poderosos. Muitas vezes uma certa crítica social aparece nas histórias. O problema é que isso é muito pouco em uma das sociedades mais injustas do planeta. É muito mais caridade que denúncia.
A verdade é que a turminha da Mônica tem sua parte de responsabilidade na manutenção da sociedade brasileira. Agora, ela se atualizou e o sucesso continua. Até porque as crianças e adolescentes têm cada vez mais poder nas decisões sobre o que a família consome. Infelizmente, é isso que acaba restando. Ensinar jovens e crianças a consumir, mesmo que isso lhes custe ficar cada vez mais cegos aos problemas sociais que as cercam.
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23 de jul. de 2009
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3 comentários:
Sergio, discordo completamente de sua análise e falo isso como um fã de quadrinhos infantis (que ainda guarda no quarto uma boa parte dos seus antigos gibis da Turma da Mônica). Em suma, falo de um lugar bastante subjetivo mesmo...hehehe. Mas digo isso também porque ela lembrou muito o clássico "Para ler o Pato Donald", sucesso no Chile de Allende, mostrando uma análise um tanto quanto estruturalista sobre as histórias dos patos da Disney. Mas a Turma da Mônica não é Walt Disney...
O que eu concordo com a sua análise é que a Turma da Mônica tem, no final das contas, uma relação de mercado. É feita para a Classe Média se olhar e, é claro, se identificar. Hoje em dia talvez isso seja mais emblemático, tendo em vista o simultâneo crescimento dos setores médios da sociedade. Mas exatamente por isso acho que o consumo nunca é o foco central da Turma da Mônica. O foco central é fazer com que as crianças - com acesso a esse bem cultural - se identifiquem através de valores menos materiais e mais próximos de sentimentos como amizade, proteção da natureza e outros clichês (que, apesar disso, não considero nocivos no processo de formação pedagógica de uma criança).
Além disso, existem centenas de histórias da Turma da Mônica (a antiga), que brincam com as disfunções e os complexos dos personagens, além de muitas vezes atacar preconceitos esdrúxulos - inclusive contra o racismo, como na premiada história "Os azuis", de 1987, no auge das críticas ao regime de Apartheid na África do Sul. Na verdade, na chamada literatura infanto-juvenil (considerando os quadrinhos dessa forma), é difícil lembrar que outros livros e quadrinhos fizeram tanto para desmistificar preconceitos como os gibis da Turma da Mônica - às vezes de forma um tanto quanto equivocada, como o caso do indiozinho Papa-Capim, muitas vezes apresentado como uma versão tupiniquim do "bom selvagem" rosseauniano.
Talvez a Turma da Mônica Jovem seja uma manobra mercadológica, "clean", mas nem por isso desprovida de valor artístico. Eu mesmo li alguns dos exemplares e gostei da forma como eles apresentam a evolução dos personagens (aliás, personagens evoluindo em quadrinhos é sempre uma surpresa, dada a constância monótona que eles são apresentados muitas vezes).
Em suma, acho que a TMJ permite uma apropriação um pouco maior do que a mera difusão da sociedade de consumo. E isso vale para a própria Turma da Mônica! O problema desse tipo de leitura é que ignora o potencial criativo que a literatura infanto-juvenil desperta, das contradições que ela explicita (às vezes em forma de nonsense, como o personagem "O Louco") e até mesmo da capacidade de inserir a criança em outros campos de literatura (coisa que, posso dizer com segurança, aconteceu comigo).
É nessa tensão entre uma leitura apologética da sociedade de mercado e de outra que possibilita a sua crítica é que acho que a Turma da Mônica vale não apenas como mercadoria da indústria de entretenimento. Ela vale também como possibilidade pedagógica, de revelar nuances e contradições de uma sociedade que precisa romper com uma série de preconceitos. Depende apenas do leitor que pretende encaminhar essa discussão com os jovens (e os não tão jovens) fãs da Turma da Mônica.
Oi, Fernando. Muito bom receber opiniões como a sua. São um sinal de que meus textos chegam a pessoas dispostas ao bom debate. Sempre fico receoso de comentar "produtos" da mídia como a Turma da Mônica. Exatamente porque são simpáticos e agradáveis. Também sou muito fã da turma, desde criança.
O problema é que penso cada vez mais em como se lê (ou vê), e não no quê se lê. Você diz que a forma como se vai entender quadrinhos como os de Maurício depende do leitor que pretende encaminhar essa discussão com os jovens. Exato. Concordo. Você deve ser daqueles que seria capaz de fazer uma leitura progressista e muito proveitosa da turminha. Mas, o fato é que você é minoria.
Você tem razão quanto a haver uma "tensão entre uma leitura apologética da sociedade de mercado e de outra que possibilita a sua crítica". Esta é uma característica de obras que sabem lidar com inteligência com os limites impostos pelo mercado. Mas, não vejo muitas condições de essa tensão sobreviver na atual situação de bombardeio midiático em que vivemos. Para mim, a leitura que prevalece é aquela que já é vítima de um fetichismo mercantil que tomou a vida social.
Nos textos que fiz sobre Linha de passe, Che ou Jean Charles, por exemplo, fica fácil ver que minha ênfase está mais na recepção pelo público do que na própria produção dessas obras. Claro que é muita pretensão minha saber como estão sendo recebidos esses produtos. Mas, por outro lado, uma boa pista é ver como eles são bem aceitos pelos monopólios que permitem que circulem. Minha hipótese é a de que a forma como eles chegam ao grande público os tornam inofensivos mesmo quando seu conteúdo é questionador. Trata-se de disputa de hegemonia em alto nível.
Para nosso consolo, também é possível fazer um debate em alto nível como o que você iniciou.
Abraço
Que ótimo debate. Mas eu concordo com o Sergio.abs. Lincoln
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