“Lula, o filho do Brasil” conta a história do presidente do País sem mostrar sua carreira política. Vai direto do sindicalista ao estadista que abraça o Brasil do PMDB.
“Você sabe quem é esse homem, mas não conhece sua história”. Este é a frase estampada nos cartazes do filme de Fábio Barreto. E que história conta a produção sobre Lula da Silva?
Até uns 15 anos atrás, a resposta era clara. A maioria da população considerava Lula um sindicalista radical, grevista, presidente de um partido de baderneiros. Podia ser também um ignorante, analfabeto, nordestino da ralé, fantoche na mão de subversivos. Mas, antes de tudo, Lula era a cara do PT.
Este Lula praticamente não aparece no filme de Barreto. A criação e a trajetória do PT são ignoradas. Com isso, 23 anos de história política do País são apagados. E sem esse elemento, a produção vira mito, relato de auto-ajuda, roteiro de novela, conto de Natal. No entanto, o filme acaba trazendo implícitas as atuais opções políticas de Lula.
O filme mostra o início da carreira pública de Lula. Eleito para uma diretoria de pelegos no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o filho de dona Lindu começou sua vida sindical sem enfrentar a ditadura de 64. Mas, com sua grande inteligência e faro políticos, sentiu que vivia um momento histórico decisivo. A agonia do regime dos generais se aproximava. As decisões tomadas naquele momento definiriam quem iria dirigir o trem da história e quem seria atropelado por ele.
A maior e mais corajosa decisão de Lula foi dizer sim à proposta de criar e presidir um novo partido de oposição. Uma organização formada por militantes católicos de base, sindicalistas, grupos que combateram a ditadura clandestinamente e milhares de jovens. E que afirmava claramente sua opção pelo socialismo.
A fundação do PT desagradou a oposição oficial da época. Eram os políticos tradicionais e engravatados do MDB. Os doutores Tancredo, Ulysses, Fernando Henrique e alguns outros, queriam os trabalhadores e estudantes sob suas ordens. E com certeza viam em Lula apenas uma liderança intuitiva, de segundo escalão, pronta a obedecer seus chefes diplomados.
O PT era uma panela de pressão que fervia sobre o fogo das lutas sindicais e populares. Lula mal conseguia manter a temperatura do partido longe do ponto de explosão. Suas posições políticas pessoais sempre foram bastante moderadas. Ele e seu grupo eram favoráveis a alianças mais amplas, a tratar com menos hostilidade patrões e governos e a afastar o partido de posições radicais.
Se dependesse de Lula e seus aliados, o PT teria se tornado um partido da ordem muito mais cedo. Para a sorte dele, as bases do PT não deixaram. Somente assim, Lula viria a se destacar como alguém que não se deixava enganar pelos politiqueiros. Somente assim, o PT foi se credenciando como partido coerente, duro em suas posições, classista e sem medo da cara feia da extrema direita.
A própria figura de Lula colaborava para manter a radicalidade do PT. Ele representa tudo o que a classe dominante brasileira mais odeia. Um pernambucano do sertão, sem diploma universitário, falando errado, incendiando assembléias e comícios. E essa rejeição contaminou os trabalhadores e pobres em geral durante muito tempo. Acostumado a doutores, o povo não queria um operário no poder.
A classe dominante brasileira também ajudou a tornar o PT radical. Se não era a repressão dos militares, era o jogo sujo da oposição do MDB que tornava difícil o caminho da moderação.
Basta lembrar das Diretas Já. Foi o PT que iniciou esse movimento. Rapidamente, multidões encheram as ruas e praças das grandes cidades para exigir eleições diretas para presidente. O MDB não perdeu tempo. Assumiu a direção do movimento e o usou para barganhar uma saída honrosa para a ditadura.
Com isso, o golpe fatal contra o regime dos generais seria dado no Colégio Eleitoral. Longe das ruas e sob controle das classes dominantes. O PT se recusou a participar desse acórdão entre as elites. Foi chamado de obscuro, infantil, incendiário. Mas, ampliava seu patrimônio de coerência e respeito à vontade popular.
Com o fim da ditadura, a vitória de Collor e 10 anos de ataques neoliberais, finalmente o PT começou a trilhar o caminho que Lula sempre defendeu. Por dentro do sistema, fazendo alianças, moderando o discurso, procurando o diálogo com empresários e latifundiários, aceitando medidas neoliberais como um mal menor.
A crise do neoliberalismo no final dos anos 1990 abriu a “janela de oportunidade” que Lula e a maioria da direção do PT souberam aproveitar. Todo o patrimônio de lutas e resistência do PT foi colocado a serviço da vitória nas eleições presidenciais. Com a vitória em 2002, Lula voltava a fazer política por dentro do sistema. Tal como fazia no ABC até ser obrigado a convocar greves contra o regime e não apenas por melhores salários.
O PT foi definhando durante o governo Lula. Não como estrutura. Esta está mais forte do que nunca. Mas como partido de luta e organização com vocação socialista. Para a população, o PT é cada vez mais a caricatura criada pela grande mídia. É o “partido dos aloprados corruptos, dos barbudos agarrados a seus cargos, dos esbanjadores do dinheiro público”.
Tudo isso para quê? Os números oficiais dizem que a renda dos mais pobres aumentou. No entanto, isso vinha acontecendo desde o final da década de 90. O capitalismo não vive só de miséria. Em certos casos, precisa desenvolver um mercado interno mínimo para gerar seus lucros. É possível que seja isso que venha acontecendo há mais de 10 anos no Brasil.
O governo Lula parece ter acelerado esse processo. A melhor maneira de fazer isso é aumentar a renda entre os mais pobres. Por isso, o governo petista foi o que melhor colocou em prática programas sociais. Mas, gente do próprio PT admite que a divisão do bolo tem sido feita entre os que vivem de salário.
A minoria que vive da exploração do trabalho alheio continua intocável. Grande parte da riqueza produzida pelos trabalhadores permanece sob controle de uma elite que representa 1% da população brasileira.
As melhoras econômicas do povo jamais colocaram sob ameaça aqueles que o exploram há mais de 500 anos. A classe dominante agradece penhorada. É o que mostra a lista de patrocinadores do filme sobre a vida de Lula. São milhões de reais da OAS, Odebrecht, Vale, Camargo Corrêa, Oi, Volkswagen. Enormes empresas generosamente amamentadas pelo Estado brasileiro.
Antes, a estrela do PT radicalizava Lula, mesmo contra a vontade dele. Hoje, Lula amaciou o PT sob sua sombra de estadista conciliador. E a candidatura petista para 2010 vem embrulhada numa aliança com o PMDB, o mais fisiológico dos partidos.
Tudo isso é muito complexo para caber num texto sobre cinema. Mas, o filme de Barreto foi explícito demais ao apagar o PT da vida de Lula. Dá graves sinais sobre o que pode acontecer na política nacional em 2010.
Tudo indica que as eleições presidenciais devem se dividir entre duas grandes opções. Ambas, muito tranqüilas para a burguesia. De um lado, o PMDB mandando no País, com o PT enfeitando o trono. Do outro lado, toda a porcaria tucana querendo voltar ao poder. Lula está fazendo tudo para que a primeira opção vença, mas já disse que não ficaria muito triste se perdesse a parada.
Afinal, o Brasil atual é o país dos sonhos daquele Lula enfiado na direção pelega dos metalúrgicos do ABC. Um paraíso do grande capital, em que a explosão de lucros para os de cima faz sobrar migalhas suficientes para os debaixo. É coerente com uma frase que Lula costumava dizer e está presente no filme de Barreto: “Não vou chamar de inimigo quem paga meu salário”. A conseqüência maior dessa política é a manutenção da injustiça e da exploração para a grande maioria dos outros filhos do Brasil.
20 de jan. de 2010
8 de jan. de 2010
Avatar ajuda a luta ecológica. E atrapalha
O “filmão” de Cameron ajuda ao defender a causa ambiental. Mas sua condição de espetáculo simplifica e distorce questões importantes. Aí, atrapalha.
Avatar é uma festa para os olhos. Principalmente para quem assiste em terceira dimensão. Muito movimento, belas cores, efeitos especiais de primeira. O roteiro não tem maiores surpresas, mas procura denunciar a destruição ecológica e o desrespeito a populações indefesas por parte do grande capital.
A história trata de uma poderosa empresa em busca de um minério valioso no planeta Pandora. O problema é que sobre as ricas jazidas vivem os Na'vi, povo que se recusa a deixar o que considera ser seu solo sagrado.
A empresa tenta duas saídas para o impasse. Uma, é a do convencimento, através do trabalho de cientistas, que criaram “avatares”. Seres feitos à imagem e semelhança dos nativos e que são “encarnados” por membros da equipe terrestre. “Vestidos” em corpos alienígenas, os humanos são capazes de fazer contato com a população local, enfrentando menor resistência.
A outra saída é a repressão. Neste caso, entram em ação soldados veteranos, contratados para colocar a população nativa para correr, se for necessário. Mas, Parker (Giovanni Ribisi), um dos administradores da empresa, não esconde suas prioridades. Para os acionistas, diz ele, pior que a mídia mostrando a repressão aos nativos, são balanços financeiros exibindo prejuízos.
O filme é bastante didático ao explicar a ligação entre os nativos e o sistema ecológico do planeta. A cientista, interpretada por Sigourney Weaver, explica que a vida em todo o planeta faz parte de uma rede. A destruição de algumas de suas partes afeta todo o conjunto.
O mesmo vale para o meio ambiente de nosso planeta. A luta em defesa dos povos atingidos por grandes obras não diz respeito apenas aos direitos e tradições de indígenas, quilombolas, caiçaras etc. Também não se trata somente de preservar a vida animal e vegetal.
Além de tudo isso, ainda há o desequilíbrio causado pela destruição ambiental. Só agora começamos a sentir as terríveis conseqüências de 200 anos de pesada exploração capitalista. E ela não afeta apenas povos isolados em regiões distantes. Chega cada vez mais perto e com maior força às grandes cidades. Seja na forma de catástrofes naturais, seja como veneno jogado no ar, matas, mares e rios.
No entanto, se a produção de Cameron ajuda a luta ambientalista ao iluminar esses aspectos, em outros ela atrapalha. Afinal, estamos falando de um mega produto da poderosa indústria de cinema. Aí, dificilmente tem ponto sem nó.
Em primeiro lugar, o filme faz dos cientistas os mocinhos da história. Não é bem assim. O que não falta são cientistas pagos a peso de ouro por gigantes multinacionais para desenvolver seus venenos e justificar seu poder. A ciência pode ser usada na luta contra o capitalismo, mas o inverso é muito mais freqüente.
Outro problema é a ausência da dimensão política. Alguns filmes de denúncia de Hollywood colocam toda a culpa em governantes e esquecem os capitalistas. Em Avatar, os políticos não aparecem. O lado mau é representado por uma grande companhia e um militar sanguinário.
No entanto, a produção é um protesto contra os republicanos, não contra o capitalismo. A empresa sem escrúpulos é uma mineradora. Pertence ao ramo econômico privilegiado pelo governo Bush. A “Árvore Sagrada” dos Na´vi é bombardeada em um “ataque preventivo”. Até a cena das cinzas da grande árvore se espalhando pela floresta lembra os momentos seguintes ao ataque às Torres Gêmeas.
Por outro lado, Parker, o executivo, em alguns momentos parece ser assaltado por dúvidas e arrependimento. Então, o verdadeiro vilão do filme é o coronel Quaritch (Stephen Lang), encarregado das operações militares. Este, sabe bem o que quer: o sangue dos nativos.
Este é o problema das denúncias feitas pelo cinemão americano. Nunca mostra o todo. Apenas suas partes. O resultado é uma visão fragmentada que, ora deixa de lado os interesses econômicos, ora esconde os interesses políticos. Quando falam de exploração econômica, por exemplo, não relacionam com machismo, racismo, homofobia etc. Enquanto isso, o sistema vai funcionando com um todo, ameaçando a existência de grande parte da humanidade e da vida na Terra.
É por isso que o final do filme, apesar de feliz e bem resolvido, é improvável. Pelo menos para nosso humilde planeta. A resistência das populações ameaçadas pelo “progresso destruidor” é fundamental. A luta ecológica é importantíssima. Mas nem uma nem outra, sozinhas, podem deter a destruição em andamento.
Do jeito que o filme acaba, muitas pessoas devem sair do cinema pensando: “tomara que nossos indígenas façam o mesmo”. Ou seja, eles que lutem lá a luta deles. “Nós daremos todo o nosso apoio moral. De preferência, de bem longe”.
Sem o envolvimento dos explorados e oprimidos das grandes cidades de todo o mundo, estas lutas continuarão a ser isoladas e derrotadas. E sem dar um caráter anticapitalista para a luta ambiental, os grandes empresários continuarão a nos enganar com “produtos verdes” e selos de “responsabilidade social”, enquanto destroem a vida no planeta. Os governos continuarão a permitir e financiar esta destruição usando a “marcha do progresso” como desculpa.
Este combate tem que ser global como é a natureza. Precisa se basear em valores solidários, como é a vida organizada em muitas comunidades e sociedades tribais. Tem que ser ecossocialista.
Avatar é uma festa para os olhos. Principalmente para quem assiste em terceira dimensão. Muito movimento, belas cores, efeitos especiais de primeira. O roteiro não tem maiores surpresas, mas procura denunciar a destruição ecológica e o desrespeito a populações indefesas por parte do grande capital.
A história trata de uma poderosa empresa em busca de um minério valioso no planeta Pandora. O problema é que sobre as ricas jazidas vivem os Na'vi, povo que se recusa a deixar o que considera ser seu solo sagrado.
A empresa tenta duas saídas para o impasse. Uma, é a do convencimento, através do trabalho de cientistas, que criaram “avatares”. Seres feitos à imagem e semelhança dos nativos e que são “encarnados” por membros da equipe terrestre. “Vestidos” em corpos alienígenas, os humanos são capazes de fazer contato com a população local, enfrentando menor resistência.
A outra saída é a repressão. Neste caso, entram em ação soldados veteranos, contratados para colocar a população nativa para correr, se for necessário. Mas, Parker (Giovanni Ribisi), um dos administradores da empresa, não esconde suas prioridades. Para os acionistas, diz ele, pior que a mídia mostrando a repressão aos nativos, são balanços financeiros exibindo prejuízos.
O filme é bastante didático ao explicar a ligação entre os nativos e o sistema ecológico do planeta. A cientista, interpretada por Sigourney Weaver, explica que a vida em todo o planeta faz parte de uma rede. A destruição de algumas de suas partes afeta todo o conjunto.
O mesmo vale para o meio ambiente de nosso planeta. A luta em defesa dos povos atingidos por grandes obras não diz respeito apenas aos direitos e tradições de indígenas, quilombolas, caiçaras etc. Também não se trata somente de preservar a vida animal e vegetal.
Além de tudo isso, ainda há o desequilíbrio causado pela destruição ambiental. Só agora começamos a sentir as terríveis conseqüências de 200 anos de pesada exploração capitalista. E ela não afeta apenas povos isolados em regiões distantes. Chega cada vez mais perto e com maior força às grandes cidades. Seja na forma de catástrofes naturais, seja como veneno jogado no ar, matas, mares e rios.
No entanto, se a produção de Cameron ajuda a luta ambientalista ao iluminar esses aspectos, em outros ela atrapalha. Afinal, estamos falando de um mega produto da poderosa indústria de cinema. Aí, dificilmente tem ponto sem nó.
Em primeiro lugar, o filme faz dos cientistas os mocinhos da história. Não é bem assim. O que não falta são cientistas pagos a peso de ouro por gigantes multinacionais para desenvolver seus venenos e justificar seu poder. A ciência pode ser usada na luta contra o capitalismo, mas o inverso é muito mais freqüente.
Outro problema é a ausência da dimensão política. Alguns filmes de denúncia de Hollywood colocam toda a culpa em governantes e esquecem os capitalistas. Em Avatar, os políticos não aparecem. O lado mau é representado por uma grande companhia e um militar sanguinário.
No entanto, a produção é um protesto contra os republicanos, não contra o capitalismo. A empresa sem escrúpulos é uma mineradora. Pertence ao ramo econômico privilegiado pelo governo Bush. A “Árvore Sagrada” dos Na´vi é bombardeada em um “ataque preventivo”. Até a cena das cinzas da grande árvore se espalhando pela floresta lembra os momentos seguintes ao ataque às Torres Gêmeas.
Por outro lado, Parker, o executivo, em alguns momentos parece ser assaltado por dúvidas e arrependimento. Então, o verdadeiro vilão do filme é o coronel Quaritch (Stephen Lang), encarregado das operações militares. Este, sabe bem o que quer: o sangue dos nativos.
Este é o problema das denúncias feitas pelo cinemão americano. Nunca mostra o todo. Apenas suas partes. O resultado é uma visão fragmentada que, ora deixa de lado os interesses econômicos, ora esconde os interesses políticos. Quando falam de exploração econômica, por exemplo, não relacionam com machismo, racismo, homofobia etc. Enquanto isso, o sistema vai funcionando com um todo, ameaçando a existência de grande parte da humanidade e da vida na Terra.
É por isso que o final do filme, apesar de feliz e bem resolvido, é improvável. Pelo menos para nosso humilde planeta. A resistência das populações ameaçadas pelo “progresso destruidor” é fundamental. A luta ecológica é importantíssima. Mas nem uma nem outra, sozinhas, podem deter a destruição em andamento.
Do jeito que o filme acaba, muitas pessoas devem sair do cinema pensando: “tomara que nossos indígenas façam o mesmo”. Ou seja, eles que lutem lá a luta deles. “Nós daremos todo o nosso apoio moral. De preferência, de bem longe”.
Sem o envolvimento dos explorados e oprimidos das grandes cidades de todo o mundo, estas lutas continuarão a ser isoladas e derrotadas. E sem dar um caráter anticapitalista para a luta ambiental, os grandes empresários continuarão a nos enganar com “produtos verdes” e selos de “responsabilidade social”, enquanto destroem a vida no planeta. Os governos continuarão a permitir e financiar esta destruição usando a “marcha do progresso” como desculpa.
Este combate tem que ser global como é a natureza. Precisa se basear em valores solidários, como é a vida organizada em muitas comunidades e sociedades tribais. Tem que ser ecossocialista.
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