Clint Eastwood fez homenagem merecida a Nelson Mandela. Mas, as vitórias do grande líder negro jamais foram suficientes para vencer a batalha contra a injustiça e o racismo na África do Sul.
Invictus começa com a imagem de um treino de rúgbi. Os jogadores são brancos e utilizam um campo bem cuidado. No outro lado da rua, crianças e jovens negros jogam uma pelada num terreno esburacado.
Surge uma caravana de automóveis. Vinha escoltando Nelson Mandela, que havia acabado de ser libertado após 27 anos de prisão. Os “peladeiros” vibram. Os atletas brancos não sabem o que pensar. Perguntam ao seu técnico o que significa aquilo. A resposta é clara: “significa que nosso país está sendo entregue aos cães”.
Em 1994, quatro anos depois, Mandela assumiria a presidência do país. A resposta do técnico de rúgbi mostra o tamanho da encrenca que isso significava num país em que o racismo tinha força de lei.
O temor dos brancos era a vingança por parte daqueles a quem dominaram de forma impiedosa. A vontade da maioria dos negros era fazer justiça depois de tantos anos de sofrimento. Sair da miséria e humilhação em que foram jogados.
O presidente recém-eleito não queria confrontos. Pretendia mostrar que governaria para todos. Precisava dar demonstrações de boa vontade aos antigos senhores sem decepcionar seus velhos companheiros de luta e a população que votara nele. Uma tarefa nada fácil. Mas, se havia alguém capaz de cumpri-la, era Mandela. Invictus é sobre um episódio em que ele mostra toda o seu carisma e habilidade política.
Logo que toma posse, Mandela fica sabendo que a Copa Mundial de rúgbi acontecerá na África do Sul. O esporte é muito popular no país. Mas, tem a cara dos brancos. Por isso, a maioria negra torce contra a seleção sul-africana. Para piorar, o time esta em má fase e coleciona fracassos.
Apesar de tudo isso, Mandela vê no evento uma grande chance para unir o país. Ele não quer apenas o título mundial para a África do Sul. Quer ver os negros torcendo pelo time dos brancos. Consegue tudo o que queria. O país inteiro torce por sua seleção e comemora a conquista do título mundial. Clint Eastwood, Morgan Freeman e Matt Damon contam a história desta vitória com muito talento e emoção.
Infelizmente, é só metade da missa. Em 2010, Completam-se 20 anos da libertação de Mandela. São 16 anos desde sua eleição à presidência. Mas, não é possível dizer que a situação dos negros melhorou. Ao contrário, a concentração de renda aumentou.
Em 1990, 38% da riqueza produzida ficavam com os empresários na forma de lucros. Em 2005, essa proporção cresceu para 42%. Hoje, a África do Sul está entre os 10 países com pior distribuição de renda no mundo, fazendo companhia ao Brasil.
O número de pessoas vivendo em favelas cresceu 26% entre 1999 e 2001. Em 2005, havia 2,4 milhões de pessoas vivendo nesse tipo de habitação. São quase 5% da população. Uma em cada três pessoas em idade de trabalhar está desempregada.
Surgiu uma pequena classe média negra. Mas, 95% dos pobres continuam sendo negros. E os poucos que conseguiram subir na vida, estão longe de pertencer ao clube dos que controlam as grandes empresas do país. Qualquer crise econômica mais séria pode jogá-los de volta para baixo.
Um novo grande evento esportivo acontecerá este ano na África do Sul. É a Copa Mundial de Futebol. Como já aconteceu em muitos outros países, populações pobres estão sendo expulsas de seus bairros para dar lugar à construção de estádios enormes, luxuosos e caros.
Muitos moradores estão sendo transferidos para lugares distantes de seus locais de trabalho e com transporte público precário. Uma dessas áreas recebeu o nome de “Blikkiesdorp”, que quer dizer cidade de lata. Suas casas são feitas de zinco e cada família tem apenas 18 metros quadrados para morar.
Tudo isso é produto de 20 anos de aplicação rigorosa e obediente das políticas neoliberais recomendadas pelo FMI e outros organismos internacionais.
O Apartheid está morto e enterrado. Mandela é sem dúvida o maior responsável por isso. Não é pouca coisa acabar com um sistema de racismo legalizado. Mas, não é o bastante também. Afinal, leis racistas estragam o discurso da liberdade e igualdade que a burguesia usa para justificar seu poder.
Mandela fez como muitos outros filhos da resistência popular ao chegarem ao poder. Procurou governar para todos. Mas, não se governa para todos a partir de um Estado moldado para funcionar a serviço dos interesses de uma minoria. Não é um esporte, com regras justas e forças semelhantes se enfrentando.
Às vezes, raras vezes, é possível arrancar algumas conquistas. Serviços públicos de saúde, educação, moradia etc. Estas conquistas são outro exemplo de vitórias muito provisórias. Na maioria dos casos, elas viram pó ou vão sendo restringidas até perderem efeito para a maior parte da população.
Mandela, nem isso fez. Ele e seus sucessores jamais avançaram na construção de serviços públicos. Limitaram-se a deixar o capitalismo agir. E o simples funcionamento do capitalismo concentra cada vez mais riqueza e produz injustiça social. As vítimas da discriminação racial sentem o peso disso mais do que o restante dos explorados. Hoje, na África do Sul, o racismo vence pela livre concorrência.
Mandela merece todo o respeito por suas vitórias. Pena que elas tenham sido insuficientes para vencer as batalhas mais importantes. Aquelas contra a injustiça e a exploração na feroz guerra de classes com que o domínio do capital vem arrasando os povos do planeta. Os poderosos continuarão a vencer se nos limitarmos a jogar em seu campo, seguindo as regras injustas que inventaram para permanecer invictos.
Sérgio Domingues – fevereiro de 2010
Algumas informações deste texto podem ser encontradas em:
South Africa’s World Cup stadium of slums
South Africa: revolution delayed
22 de fev. de 2010
7 de fev. de 2010
Guerra ao terror. Ao terror imperialista
O filme de Kathryn Bigelow denuncia os terríveis efeitos da ocupação do Iraque em soldados americanos. Não mostra o sofrimento do povo iraquiano. Acaba justificando o terror imperialista.
Guerra ao terror conta a história de soldados americanos que estão a poucos dias de deixar o Iraque. Eles formam uma equipe anti-bombas. Desempenham uma atividade que envolve enorme tensão. Não só pelo trabalho em si, mas porque deixa claro o enorme ódio que cerca a presença das tropas invasoras.
Não se trata de combate aberto diante de tropas armadas. São ameaças que partem de civis. Gente aparentemente pacata, desarmada, ocupada com suas tarefas cotidianas. São pessoas que podem fazer um gesto e pôr abaixo um prédio. Acelerar um automóvel e destruir um quarteirão. Largar uma sacola e despedaçar alguns soldados. Explodir o próprio corpo e matar um pelotão inteiro.
A câmera agitada e a imagem com cores apagadas dão ao filme um clima de documentário. O cenário é árido e seco. Sem árvores. “Sem grama”, como diz um dos personagens. Quando não estão em combate, os soldados dividem um ambiente de desesperada violência masculina. Tudo isso torna o filme um belo trabalho de suspense e ação.
A produção também poderia ser uma denúncia radical do crime que representa a ocupação do Iraque. Não é. Não é principalmente porque o ponto de vista adotado é o mesmo das tropas invasoras. Um olhar cego à violência que sofre um povo dominado por estrangeiros. Por isso, há pouco espaço para entender algo tão desesperado como a ação dos homens-bomba.
No entanto, algo parecido ocorreu em vários momentos da história de outros povos sob ataque. Ou seriam menos suicidas as ações do povo francês em defesa da República de 1789 contra as poderosas monarquias da época? Ou dos russos, defendendo sua revolução contra exércitos de 14 países? E o combate da Comuna de Paris contra os exércitos franceses e alemães unidos? Sem falar na heróica luta dos vietnamitas.
Na falta de um contexto para o comportamento dos iraquianos, muitos de nós podem adotar a estranheza com que os soldados invasores olham para eles. Fica difícil entender porque aquele povo odeia tanto aqueles que o libertaram do diabólico Saddam Hussein.
O fato é que tal ponto de vista não dá conta de uma grande contradição. Se Saddam era um ditador sanguinário, não poderia ser derrubado por aqueles que o tornaram poderoso. Aqueles que armaram sua ditadura e aprovaram sua brutalidade não podem ser melhores do que ele.
E isto ficou mais do que provado. Hoje, o Iraque não passa de uma possessão dos Estados Unidos. É seu campo de petróleo mais produtivo. Um dos melhores investimentos para suas grandes empresas. Um campo de extermínio humano para testar suas modernas armas.
Pior que isso, os invasores não respeitam suas tradições, seus costumes, suas crenças. Só lhes têm desprezo. Diante disso, a resistência iraquiana utiliza todas as suas armas. E a principal delas é a consciência de que lutam uma guerra justa. Guerra ao terror não mostra este lado.
Num dos momentos mais tensos do filme, surge um homem em cujo corpo foram colocadas bombas contra sua vontade. Em outra cena, a equipe descobre uma bomba dentro do cadáver de um garoto.
Claro que ações desse tipo ocorrem no Iraque. Mas, não podem ser muito freqüentes. Ou não deveriam. Do contrário, a resistência iraquiana perderia apoio rapidamente. Também ela se tornaria tão ruim quanto os invasores que combate.
Quanto às tropas invasoras, muitos de seus membros também julgam lutar por valores justos. Liberdade, democracia, justiça. Nada disso é confirmado pela realidade. Querer impor liberdade, justiça e democracia só leva a mais opressão, desigualdade e autoritarismo.
No entanto, soldados não são treinados para entender as razões de uma guerra. São adestrados para vencê-la a qualquer custo. No caso dos soldados americanos, diante do enorme poder de seu exército, o maior prejuízo tem sido a perda de sua saúde mental.
Denunciar essa situação parece ser o principal objetivo do filme de Bigelow. A disposição com que o personagem principal desarma bombas e manipula explosivos mostra que para ele a guerra funciona como uma droga.
É isso o que diz o letreiro inicial do filme: “A emoção da batalha costuma ser um vício forte e letal, pois a guerra é uma droga”. Trata-se de uma frase do correspondente de guerra, Chris Hedges. Guerras nunca são boas. Mesmo quem passou por conflitos militares convicto de que foram necessários, com certeza teria preferido viver sem essa terrível experiência.
Mas, há guerras que precisam ser travadas. Aquelas de libertação nacional. As que combatem a dominação e a exploração. Impedem o avanço do fascismo. Defendem um mundo livre da destruição capitalista.
O final do filme de Kathryn Bigelow parece dizer que, apesar de tudo, a guerra travada no Iraque merece ser lutada. Até admite que seus motivos são duvidosos, mas, como diria Obama, “nossos rapazes estão lá e precisam de uma saída honrosa”. Ainda que isso implique aterrorizar um povo inteiro. São as razões de quem lidera o imperialismo mundial. Por isso Guerra ao Terror vem recebendo o reconhecimento de sua indústria.
Guerra ao terror conta a história de soldados americanos que estão a poucos dias de deixar o Iraque. Eles formam uma equipe anti-bombas. Desempenham uma atividade que envolve enorme tensão. Não só pelo trabalho em si, mas porque deixa claro o enorme ódio que cerca a presença das tropas invasoras.
Não se trata de combate aberto diante de tropas armadas. São ameaças que partem de civis. Gente aparentemente pacata, desarmada, ocupada com suas tarefas cotidianas. São pessoas que podem fazer um gesto e pôr abaixo um prédio. Acelerar um automóvel e destruir um quarteirão. Largar uma sacola e despedaçar alguns soldados. Explodir o próprio corpo e matar um pelotão inteiro.
A câmera agitada e a imagem com cores apagadas dão ao filme um clima de documentário. O cenário é árido e seco. Sem árvores. “Sem grama”, como diz um dos personagens. Quando não estão em combate, os soldados dividem um ambiente de desesperada violência masculina. Tudo isso torna o filme um belo trabalho de suspense e ação.
A produção também poderia ser uma denúncia radical do crime que representa a ocupação do Iraque. Não é. Não é principalmente porque o ponto de vista adotado é o mesmo das tropas invasoras. Um olhar cego à violência que sofre um povo dominado por estrangeiros. Por isso, há pouco espaço para entender algo tão desesperado como a ação dos homens-bomba.
No entanto, algo parecido ocorreu em vários momentos da história de outros povos sob ataque. Ou seriam menos suicidas as ações do povo francês em defesa da República de 1789 contra as poderosas monarquias da época? Ou dos russos, defendendo sua revolução contra exércitos de 14 países? E o combate da Comuna de Paris contra os exércitos franceses e alemães unidos? Sem falar na heróica luta dos vietnamitas.
Na falta de um contexto para o comportamento dos iraquianos, muitos de nós podem adotar a estranheza com que os soldados invasores olham para eles. Fica difícil entender porque aquele povo odeia tanto aqueles que o libertaram do diabólico Saddam Hussein.
O fato é que tal ponto de vista não dá conta de uma grande contradição. Se Saddam era um ditador sanguinário, não poderia ser derrubado por aqueles que o tornaram poderoso. Aqueles que armaram sua ditadura e aprovaram sua brutalidade não podem ser melhores do que ele.
E isto ficou mais do que provado. Hoje, o Iraque não passa de uma possessão dos Estados Unidos. É seu campo de petróleo mais produtivo. Um dos melhores investimentos para suas grandes empresas. Um campo de extermínio humano para testar suas modernas armas.
Pior que isso, os invasores não respeitam suas tradições, seus costumes, suas crenças. Só lhes têm desprezo. Diante disso, a resistência iraquiana utiliza todas as suas armas. E a principal delas é a consciência de que lutam uma guerra justa. Guerra ao terror não mostra este lado.
Num dos momentos mais tensos do filme, surge um homem em cujo corpo foram colocadas bombas contra sua vontade. Em outra cena, a equipe descobre uma bomba dentro do cadáver de um garoto.
Claro que ações desse tipo ocorrem no Iraque. Mas, não podem ser muito freqüentes. Ou não deveriam. Do contrário, a resistência iraquiana perderia apoio rapidamente. Também ela se tornaria tão ruim quanto os invasores que combate.
Quanto às tropas invasoras, muitos de seus membros também julgam lutar por valores justos. Liberdade, democracia, justiça. Nada disso é confirmado pela realidade. Querer impor liberdade, justiça e democracia só leva a mais opressão, desigualdade e autoritarismo.
No entanto, soldados não são treinados para entender as razões de uma guerra. São adestrados para vencê-la a qualquer custo. No caso dos soldados americanos, diante do enorme poder de seu exército, o maior prejuízo tem sido a perda de sua saúde mental.
Denunciar essa situação parece ser o principal objetivo do filme de Bigelow. A disposição com que o personagem principal desarma bombas e manipula explosivos mostra que para ele a guerra funciona como uma droga.
É isso o que diz o letreiro inicial do filme: “A emoção da batalha costuma ser um vício forte e letal, pois a guerra é uma droga”. Trata-se de uma frase do correspondente de guerra, Chris Hedges. Guerras nunca são boas. Mesmo quem passou por conflitos militares convicto de que foram necessários, com certeza teria preferido viver sem essa terrível experiência.
Mas, há guerras que precisam ser travadas. Aquelas de libertação nacional. As que combatem a dominação e a exploração. Impedem o avanço do fascismo. Defendem um mundo livre da destruição capitalista.
O final do filme de Kathryn Bigelow parece dizer que, apesar de tudo, a guerra travada no Iraque merece ser lutada. Até admite que seus motivos são duvidosos, mas, como diria Obama, “nossos rapazes estão lá e precisam de uma saída honrosa”. Ainda que isso implique aterrorizar um povo inteiro. São as razões de quem lidera o imperialismo mundial. Por isso Guerra ao Terror vem recebendo o reconhecimento de sua indústria.
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