O novo filme de José Padilha continua conservador. Agora, os políticos corruptos são os grandes vilões, mas aqueles que os corrompem ficam na sombra. As milícias da grande mídia agradecem.
As duas produções de Tropa de Elite são filmes de ação que pretendem fazer denúncia. Mas, não vão à raiz dos problemas que retratam de forma tão explícita. Ao fazer isso, acabam por justificar a forma como a sociedade brasileira está organizada. Com sua injustiça social, violência estatal contra os mais pobres, democracia de fachada e monopólios da grande mídia.
Em Tropa de Elite 2, os vilões são mais numerosos. A corrupção policial e os traficantes de drogas continuam presentes. Mas, a ação das milícias ganhou grande destaque. No filme anterior, boa parte da culpa da violência urbana cabia aos que compram drogas. Estranhamente, dessa vez, a mesma culpa não foi atribuída aos consumidores de TV paga. Um dos serviços vendidos ilegalmente por milicianos.
Tropa 2 chega a uma conclusão que já deveria ser óbvia em sua primeira edição. O único serviço público realmente presente e em funcionamento nas favelas é a polícia. Era questão de tempo para que policiais substituíssem o tráfico e se transformassem em tropa de ocupação com vontade própria. Mercenários dispostos a negociar o acesso às áreas ocupadas com os poderes constituídos. Entre estes, é claro, o poder estatal representado pelos políticos de plantão.
A cena em que Nascimento surra um secretário de estado vem arrancando aplausos nos cinemas. Simboliza a justa revolta popular contra os políticos em geral. O problema é que políticos profissionais não vivem apenas de seus altos salários. Nem se elegeram usando suas economias pessoais. Foram bancados por empresários. Em troca, a grande maioria deles trabalha como facilitadores de negócios para seus financiadores. E muitas vezes, o fazem dentro da lei.
Políticos envolvidos com criminosos comuns são poucos, mas fazem barulho suficiente para esconder ainda mais a já silenciosa ação de seus colegas. Membros das bancadas a serviço de ruralistas, proprietários de meios de comunicação, banqueiros, empreiteiros, mercenários religiosos e empresários de vários setores monopolizados da economia.
O personagem Fraga é uma justa homenagem ao deputado Marcelo Freixo (PSOL). Mas, na vida real, Freixo não apenas é um indivíduo corajoso e com princípios. É uma liderança apoiada em um trabalho de base desenvolvido nas comunidades pobres. Lugares massacrados pela ação conjunta do tráfico, da milícia e da polícia, incluindo o Bope. Ainda assim, Fraga não é o mocinho. Continua a ser Nascimento, com seus métodos violentos.
Mas, o filme de Padilha é conservador principalmente porque mostra a mídia empresarial como defensora da moralidade pública. No filme, a casa da milícia começou a cair porque uma jornalista foi assassinada. Na vida real algo muito parecido aconteceu. Uma equipe do jornal “O Dia” foi seqüestrada e submetida à tortura por milicianos. Até então, as autoridades e a própria imprensa fechavam o olhos para a ação violenta e covarde das milícias. Eram consideradas “formas comunitárias de auto-defesa”.
Na verdade, a responsabilidade da grande imprensa é enorme na montagem do cenário que possibilitou o surgimento das milícias. Cenário que não se limita ao Rio de Janeiro no início do século 21. Inclui um país inteiro vivendo séculos de injustiça social, racismo, truculência policial, criminalização da pobreza, autoritarismo, informação distorcida, preconceitos e corrupção.
Com Tropa de Elite, esquecemos de tudo isso. Vamos ao cinema e nos sentimos vingados pelos murros de Nascimento. Contemplados por denúncias encenadas em ritmo de filme americano. No lugar do debate organizado pela população em associações, partidos, sindicatos, sobram conversas de boteco sobre uma produção da Globo Filmes. No máximo, colóquios de classe média em mega-livrarias.
O final do filme promete uma continuação que chegaria mais fundo em suas denúncias. Difícil acreditar que a mira de Nascimento volte-se para o grande capital. Muitos de seus representantes financiam a vitoriosa produção. Querendo ou não seus realizadores, Tropa 2 trabalha para milícia midiática que justifica um dos sistemas de dominação mais violentos do mundo. E um dos mais inteligentes, também.
Leia também: As armas das tropas da elite não são só as de fogo
23 de out. de 2010
12 de out. de 2010
Wall Street: o dinheiro não dorme. Está morto
Mais uma vez, Gordon Gekko deve ganhar a simpatia do público no novo filme de Oliver Stone. É que diante do mundo finado do dinheiro, o vilão é o que mais se parece com algo vivo.
“Wall Street: o dinheiro nunca dorme” faz um retrato cru do capitalismo. Mas, padece do mesmo mal que atacou o filme do qual é continuação. Aquele que era para ser o vilão, acaba sendo o personagem que mais atrai a simpatia do público.
Gordon Gekko (Michael Douglas) com todo seu cinismo mostra-se bem adaptado a um ambiente extremamente competitivo. A selvageria da disputa capitalista fica bem clara nas cenas do pregão da bolsa. Como não sentir fascínio pelo leão na savana? Ou pelo tubarão no mar? Aprendemos a ter pena dos antílopes e dos peixinhos. Mas, séculos de pedagogia do canibalismo de mercado nos ensinou a admirar as feras.
Logo no início do filme, Gekko refere-se às famosas bolhas econômicas do capitalismo. E as compara à explosão cambriana. Trata-se de um fenômeno biológico ocorrido há uns 500 milhões de anos. Nessa época, houve o maior surgimento de novas espécies vivas de que se tem notícia.
Ao utilizar esse exemplo, Gekko defende o que pensa a maioria dos ideólogos da burguesia. É a idéia de que o capitalismo é resultado da evolução natural. Veio para ficar. E quem quiser se dar bem, tem que aceitar seu jogo bruto e disputá-lo seguindo suas regras violentas.
Gekko é bom nisso. Depois de anos de prisão, parece arrependido. Escreve um livro que desvendaria os segredos do sistema. Mostra-se arrependido do que fez com sua vida familiar. Desenvolve uma relação afetiva com seu genro, substituto ideal para o filho morto.
Nada disso impede que acabe dando o bote no final. Age como o escorpião que não consegue negar sua natureza. A reaproximação com a filha é apenas um modo de recuperar o dinheiro escondido na Suíça. Suas denúncias do sistema são uma forma de se manter em evidência. Um jeito de reatar antigas relações e vingar-se de seus velhos inimigos. Talvez sua única ação boa tenha sido colocar o genro para fora daquele meio cruel aos chutes e pontapés.
No final do filme, é possível sentir alguma pena de Gekko. Seu rosto olhando as imagens do neto na barriga da filha é como o pedido de socorro de um dependente químico. Gekko simboliza a humanidade presa num circuito estéril.
É o império do valor de troca, que há séculos vem seqüestrando todos os domínios da vida humana. Já não se trata de dinheiro apenas. São papéis de todo tipo. O que se negocia nos mercados do mundo não são bens, mas direitos sobre eles. E estes crescem numa proporção muito maior que a produção daqueles.
É o contrário da explosão cambriana. Nesta, a vida explodiu dando origem a praticamente todas as atuais formas vivas. O mercado capitalista parece estar cheio de diversidade. De fato, marcas, modelos, tamanhos, formas não passam de metamorfoses da mesma coisa: trabalho humano reduzido a mercadoria. Criatividade levada a óbito.
O filme de Stone faz a denúncia disso só até certo ponto. No fim, fica a sensação de que não há muita escapatória a não ser manter uma postura ética. Escolher a qualidade no lugar da quantidade. Saída individualista que conta com a boa consciência daqueles que estão que estão no topo da cadeia alimentar dos negócios.
Por outro lado, o filme deixa claro que a esperança no capitalismo ecologicamente correto está condenada ao fracasso. “A próxima bolha será verde”, diz Gekko. Esta sentença faz mais do que prever uma nova catástrofe. Acende o alerta de que o capital está atingindo o limite não só da vida social humana. Envolve, cada vez mais, o conjunto da vida no planeta em seu abraço de morte.
Felizmente, a vida costuma reagir mesmo nas crises mais fatais. Contra o instinto suicida do capital, só a reação ferida de milhões de explorados e humilhados pode ser a resposta. Perto deles, Gekko é só um morto-vivo à procura de descanso eterno.
“Wall Street: o dinheiro nunca dorme” faz um retrato cru do capitalismo. Mas, padece do mesmo mal que atacou o filme do qual é continuação. Aquele que era para ser o vilão, acaba sendo o personagem que mais atrai a simpatia do público.
Gordon Gekko (Michael Douglas) com todo seu cinismo mostra-se bem adaptado a um ambiente extremamente competitivo. A selvageria da disputa capitalista fica bem clara nas cenas do pregão da bolsa. Como não sentir fascínio pelo leão na savana? Ou pelo tubarão no mar? Aprendemos a ter pena dos antílopes e dos peixinhos. Mas, séculos de pedagogia do canibalismo de mercado nos ensinou a admirar as feras.
Logo no início do filme, Gekko refere-se às famosas bolhas econômicas do capitalismo. E as compara à explosão cambriana. Trata-se de um fenômeno biológico ocorrido há uns 500 milhões de anos. Nessa época, houve o maior surgimento de novas espécies vivas de que se tem notícia.
Ao utilizar esse exemplo, Gekko defende o que pensa a maioria dos ideólogos da burguesia. É a idéia de que o capitalismo é resultado da evolução natural. Veio para ficar. E quem quiser se dar bem, tem que aceitar seu jogo bruto e disputá-lo seguindo suas regras violentas.
Gekko é bom nisso. Depois de anos de prisão, parece arrependido. Escreve um livro que desvendaria os segredos do sistema. Mostra-se arrependido do que fez com sua vida familiar. Desenvolve uma relação afetiva com seu genro, substituto ideal para o filho morto.
Nada disso impede que acabe dando o bote no final. Age como o escorpião que não consegue negar sua natureza. A reaproximação com a filha é apenas um modo de recuperar o dinheiro escondido na Suíça. Suas denúncias do sistema são uma forma de se manter em evidência. Um jeito de reatar antigas relações e vingar-se de seus velhos inimigos. Talvez sua única ação boa tenha sido colocar o genro para fora daquele meio cruel aos chutes e pontapés.
No final do filme, é possível sentir alguma pena de Gekko. Seu rosto olhando as imagens do neto na barriga da filha é como o pedido de socorro de um dependente químico. Gekko simboliza a humanidade presa num circuito estéril.
É o império do valor de troca, que há séculos vem seqüestrando todos os domínios da vida humana. Já não se trata de dinheiro apenas. São papéis de todo tipo. O que se negocia nos mercados do mundo não são bens, mas direitos sobre eles. E estes crescem numa proporção muito maior que a produção daqueles.
É o contrário da explosão cambriana. Nesta, a vida explodiu dando origem a praticamente todas as atuais formas vivas. O mercado capitalista parece estar cheio de diversidade. De fato, marcas, modelos, tamanhos, formas não passam de metamorfoses da mesma coisa: trabalho humano reduzido a mercadoria. Criatividade levada a óbito.
O filme de Stone faz a denúncia disso só até certo ponto. No fim, fica a sensação de que não há muita escapatória a não ser manter uma postura ética. Escolher a qualidade no lugar da quantidade. Saída individualista que conta com a boa consciência daqueles que estão que estão no topo da cadeia alimentar dos negócios.
Por outro lado, o filme deixa claro que a esperança no capitalismo ecologicamente correto está condenada ao fracasso. “A próxima bolha será verde”, diz Gekko. Esta sentença faz mais do que prever uma nova catástrofe. Acende o alerta de que o capital está atingindo o limite não só da vida social humana. Envolve, cada vez mais, o conjunto da vida no planeta em seu abraço de morte.
Felizmente, a vida costuma reagir mesmo nas crises mais fatais. Contra o instinto suicida do capital, só a reação ferida de milhões de explorados e humilhados pode ser a resposta. Perto deles, Gekko é só um morto-vivo à procura de descanso eterno.
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