Texto de julho de 2006
A CBN faz 15 anos em outubro que vem. A rádio inovou ao assumir a transmissão de notícias como único objetivo. Seus programas são bem feitos, em linguagem correta e passam uma sensação de isenção. Longe disso, o que impera é a defesa das idéias neoliberais. Não tem música, mas o repertório não muda.
Quando surgiu, em 1991, a Central Brasileira de Notícias, tinha como modelo a TV CNN, americana. Queria fazer no rádio o que a emissora estadunidense fazia na televisão: veiculação de notícias 24 horas por dia. Daí, o mote “a rádio que só toca notícia”. Não se tratava somente de imitação. Era produto de uma idéia muito clara e da qual a Globo nunca teve dúvidas: controle de informação tem cada vez mais valor econômico, político e social. Além disso, era o início da grande ofensiva neoliberal no Brasil. A CBN surgiu, então, para fornecer informação em abundância, mas com a marca neoliberal.
Quinze anos depois, a CBN é um sucesso. Não é uma líder isolada no segmento. Em certos horários, a “Band News” e a “Jovem Pan”, em São Paulo, ganham. Mas é referência e obrigou suas concorrentes a imitá-la. Além disso, como disse sua diretora executiva, Mariza Tavares, é rentável. Apenas rentável? Provavelmente. Afinal, a função da CBN não é exatamente fazer dinheiro. É fazer cabeças.
Falando para as classes A e B
Tavares concedeu entrevista ao Observatório da Imprensa em junho passado. Um depoimento revelador sobre os objetivos da emissora que dirige. Segundo ela, “a cabeça da rede” é basicamente São Paulo. Por que? “São Paulo é o centro de decisões, o centro econômico, e a emissora tem que obedecer a isso”. Ou seja, a rádio que só toca notícia quase só fala para um público definido. Aqueles que têm ou estão próximos ao poder econômico. Os números do Ibope não desmentem isso: dados do último trimestre de 2005 mostravam que o público da CBN era mais masculino (64%) e predominantemente das classes chamadas A e B (66%;).
É verdade que a programação realmente presta serviços importantes. Principalmente, nas grandes cidades como São Paulo e seu trânsito caótico. E tem um estilo mais limpo na transmissão. Sem as apelações comuns utilizadas por outros programas e locutores, que não escondem seu ódio de classe, enquanto defendem a pena-de-morte e prisão de crianças, por exemplo. Um dos maiores responsáveis por isso é Heródoto Barbeiro. O principal âncora da CBN também deu entrevista ao Observatório da Imprensa e definiu como grandes trunfos da CBN, “isenção, pluralismo, perseguição diária da conduta ética”. E é esta a impressão que o ouvinte comum acaba tendo. Mariza Tavares reforça essa idéia ao dizer que “tem gente que acha que nós somos petistas, os petistas acham que somos tucanos. Acho que isso é bom”.
Claro que na atual confusão, opor tucanos e petistas não faz muito sentido. Pelo menos, para a maioria dos petistas que usam crachá. Mas também dá uma idéia daquilo que realmente é a programação da CBN. Heródoto é um dos que afirmam que a CBN sempre ouve o outro lado. E que o compromisso da rádio é com a notícia. Na realidade, são poucos os lados que a rádio ouve. Quase todos eles ligados ao verdadeiro compromisso da CBN: com os elogios às maravilhas do mercado.
A grande maioria dos entrevistados é formada por políticos, empresários, professores universitários, sindicalistas. Quase todos, antigos ou recentes devotos da fé neoliberal. Vez por outra, ouvem-se as vozes de lideranças populares e outras pessoas que não comungam da crença no “deus mercado”. Mas acabam fazendo o papel de figuras folclóricas em meio ao ambiente geral criado pela rádio. Um ambiente que é perfeitamente traduzido por seus âncoras e comentaristas.
O petista Heródoto Barbeiro, por exemplo, é discreto. Fala muito sobre cidadania e responsabilidade social de empresas, mas não vai mais longe que isso. Se pressionado, também fala em “populismo” quando o assunto é aumento dos gastos sociais. “Calote” quando alguém aponta o absurdo da dívida pública brasileira, e por aí vai. Outro âncora da rádio é Carlos Sardenberg. Bem menos discreto que Barbeiro, é tucano em cada um de seus comentários a favor das leis do mercado. Miriam Leitão é a porta-voz das receitas neoliberais, desde a época de Collor.
Lucia Hippólito aborda o mundo da política de maneira aparentemente crítica, mas seus comentários não passam da defesa da política institucional sem exageros. E exagero é denunciar o parlamento como a farsa que é. Mais ou menos na mesma linha de Franklin Martins. Gilberto Dimenstein é irritante com seu discurso “faça você mesmo aquilo que os governantes deveriam fazer com o dinheiro dos impostos arrancados dos mais pobres”. Arnaldo Jabor, então, é o retrato perfeito do conservadorismo beirando o fascismo, junto com muita informação distorcida e defesa incondicional do neoliberalismo.
Candidata a “guia” dos menos endinheirados
A CBN é como as rádios que tocam música. O repertório é restrito aos artistas cujas gravadoras pagaram seu “jabá”. Do mesmo modo, a música que toca na emissora da Globo é uma só, a do pensamento único neoliberal. O “jabá” vem na forma de patrocínios empresariais. E governamentais, claro.
O grande problema dessa história é que a CBN não “faz a cabeça” somente dos mais endinheirados. As chamadas classes C, D e E são responsáveis por 34% da audiência da rádio. E a própria Mariza Tavares alerta para outro fenômeno. Na mesma entrevista, falando sobre os que ganham menos, ela diz:“Existe um movimento que não é de classe A-B, um enorme movimento de um contingente parcialmente invisível, ou pouco visível, querendo entender este mundo muito mais complicado. Quem são os guias? (...). É quem vai dar ferramentas para entender o mundo. Algo que nós achávamos que era prerrogativa do leitor de jornal, classe média, do público da CBN, mas não é só isso. Na verdade há um grande movimento subterrâneo, e sairá na frente quem entender como fornecer esse instrumental”.“Quem são os guias ?”, pergunta Mariza. A resposta é assustadora: uma forte candidata é a rádio de notícias da Globo.
É preciso ficar atento. A burguesia não perde tempo. E aproveita-se de um vazio deixado pela esquerda. Por um lado, mesmo que de forma precária, funcionam algumas rádios comunitárias em bairros pobres. Falam ao tal público “D e E”. Aos trancos e barrancos, é verdade. Mas, pelo menos, falam.
Por outro lado, como fica a chamada “classe C”? Esta não é forçada a formas coletivas de sobrevivência, como nas favelas e cortiços. São muito mais sujeitas a um modo de vida isolado de vizinhos e colegas de trabalho. E cada vez mais são alvo dessa disputa por hegemonia. A qualidade da técnica global de comunicação pode fazer enormes estragos nessa briga. A CBN vem fazendo sua parte.
1 de out. de 2011
CBN: 15 anos tocando a mesma música
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Um comentário:
Não gosto muito dos locutores da CBN. Eles falam... com... pausas... desse jeito...
A meu ver, o bom locutor se caracteriza pela fala objetiva, coisa que eles não tem. Acho que o Heródoto é o menos ruim.
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