22 de fev. de 2010

Invictus: belas vitórias em batalhas perdidas

Clint Eastwood fez homenagem merecida a Nelson Mandela. Mas, as vitórias do grande líder negro jamais foram suficientes para vencer a batalha contra a injustiça e o racismo na África do Sul.

Invictus começa com a imagem de um treino de rúgbi. Os jogadores são brancos e utilizam um campo bem cuidado. No outro lado da rua, crianças e jovens negros jogam uma pelada num terreno esburacado.

Surge uma caravana de automóveis. Vinha escoltando Nelson Mandela, que havia acabado de ser libertado após 27 anos de prisão. Os “peladeiros” vibram. Os atletas brancos não sabem o que pensar. Perguntam ao seu técnico o que significa aquilo. A resposta é clara: “significa que nosso país está sendo entregue aos cães”.

Em 1994, quatro anos depois, Mandela assumiria a presidência do país. A resposta do técnico de rúgbi mostra o tamanho da encrenca que isso significava num país em que o racismo tinha força de lei.

O temor dos brancos era a vingança por parte daqueles a quem dominaram de forma impiedosa. A vontade da maioria dos negros era fazer justiça depois de tantos anos de sofrimento. Sair da miséria e humilhação em que foram jogados.

O presidente recém-eleito não queria confrontos. Pretendia mostrar que governaria para todos. Precisava dar demonstrações de boa vontade aos antigos senhores sem decepcionar seus velhos companheiros de luta e a população que votara nele. Uma tarefa nada fácil. Mas, se havia alguém capaz de cumpri-la, era Mandela. Invictus é sobre um episódio em que ele mostra toda o seu carisma e habilidade política.

Logo que toma posse, Mandela fica sabendo que a Copa Mundial de rúgbi acontecerá na África do Sul. O esporte é muito popular no país. Mas, tem a cara dos brancos. Por isso, a maioria negra torce contra a seleção sul-africana. Para piorar, o time esta em má fase e coleciona fracassos.

Apesar de tudo isso, Mandela vê no evento uma grande chance para unir o país. Ele não quer apenas o título mundial para a África do Sul. Quer ver os negros torcendo pelo time dos brancos. Consegue tudo o que queria. O país inteiro torce por sua seleção e comemora a conquista do título mundial. Clint Eastwood, Morgan Freeman e Matt Damon contam a história desta vitória com muito talento e emoção.

Infelizmente, é só metade da missa. Em 2010, Completam-se 20 anos da libertação de Mandela. São 16 anos desde sua eleição à presidência. Mas, não é possível dizer que a situação dos negros melhorou. Ao contrário, a concentração de renda aumentou.

Em 1990, 38% da riqueza produzida ficavam com os empresários na forma de lucros. Em 2005, essa proporção cresceu para 42%. Hoje, a África do Sul está entre os 10 países com pior distribuição de renda no mundo, fazendo companhia ao Brasil.

O número de pessoas vivendo em favelas cresceu 26% entre 1999 e 2001. Em 2005, havia 2,4 milhões de pessoas vivendo nesse tipo de habitação. São quase 5% da população. Uma em cada três pessoas em idade de trabalhar está desempregada.

Surgiu uma pequena classe média negra. Mas, 95% dos pobres continuam sendo negros. E os poucos que conseguiram subir na vida, estão longe de pertencer ao clube dos que controlam as grandes empresas do país. Qualquer crise econômica mais séria pode jogá-los de volta para baixo.

Um novo grande evento esportivo acontecerá este ano na África do Sul. É a Copa Mundial de Futebol. Como já aconteceu em muitos outros países, populações pobres estão sendo expulsas de seus bairros para dar lugar à construção de estádios enormes, luxuosos e caros.

Muitos moradores estão sendo transferidos para lugares distantes de seus locais de trabalho e com transporte público precário. Uma dessas áreas recebeu o nome de “Blikkiesdorp”, que quer dizer cidade de lata. Suas casas são feitas de zinco e cada família tem apenas 18 metros quadrados para morar.

Tudo isso é produto de 20 anos de aplicação rigorosa e obediente das políticas neoliberais recomendadas pelo FMI e outros organismos internacionais.

O Apartheid está morto e enterrado. Mandela é sem dúvida o maior responsável por isso. Não é pouca coisa acabar com um sistema de racismo legalizado. Mas, não é o bastante também. Afinal, leis racistas estragam o discurso da liberdade e igualdade que a burguesia usa para justificar seu poder.

Mandela fez como muitos outros filhos da resistência popular ao chegarem ao poder. Procurou governar para todos. Mas, não se governa para todos a partir de um Estado moldado para funcionar a serviço dos interesses de uma minoria. Não é um esporte, com regras justas e forças semelhantes se enfrentando.

Às vezes, raras vezes, é possível arrancar algumas conquistas. Serviços públicos de saúde, educação, moradia etc. Estas conquistas são outro exemplo de vitórias muito provisórias. Na maioria dos casos, elas viram pó ou vão sendo restringidas até perderem efeito para a maior parte da população.

Mandela, nem isso fez. Ele e seus sucessores jamais avançaram na construção de serviços públicos. Limitaram-se a deixar o capitalismo agir. E o simples funcionamento do capitalismo concentra cada vez mais riqueza e produz injustiça social. As vítimas da discriminação racial sentem o peso disso mais do que o restante dos explorados. Hoje, na África do Sul, o racismo vence pela livre concorrência.

Mandela merece todo o respeito por suas vitórias. Pena que elas tenham sido insuficientes para vencer as batalhas mais importantes. Aquelas contra a injustiça e a exploração na feroz guerra de classes com que o domínio do capital vem arrasando os povos do planeta. Os poderosos continuarão a vencer se nos limitarmos a jogar em seu campo, seguindo as regras injustas que inventaram para permanecer invictos.

Sérgio Domingues – fevereiro de 2010

Algumas informações deste texto podem ser encontradas em:
South Africa’s World Cup stadium of slums
South Africa: revolution delayed

6 comentários:

Anônimo disse...

Isso mostra que o capitalismo faz as concessões que lhe interessam para manter ou ampliar a dominação e o lucro. Eu acho que essa democracia "branca", da livre concorrência, é tão contumaz quanto à ditadura, porém travestida de um falso Direito para todos. Não há ilusão. Em caso necessário, todo o aparato de repressão pode voltar à tona e temos exemplos suficientes na América Latina e Caribe.

Anônimo disse...

Esqueci de assinar o comentário. Rodney. rsrs

Anônimo disse...

Gostei muito do filme!
Como "produção cinematográfica",é excelente,boa direção e atuações (e belíssima trilha sonora).
Entretanto,é lamentável observar que a situação na África do Sul não progrediu tanto quanto se esperava(infelizmente,ainda se tem muito de "Distrito 9" no país).De qualquer forma,viva o "grande passo" dado por Mandela!
Flavia

Anônimo disse...

Mudando de assunto:

Qual é a sua opinião sobre o site midiasemmascara.org?, ...se é que você o conhece.

Moreira

Mirna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mirna disse...

Clint Eastwood é o criador do Spaghetti Western, é um dos melhores cineastas, para mim, ele merece uma homenagem, ele é um homem saudável. Em geap recomendam que as pessoas ficam muito exercício, para mantenerse saudável.