Dois filmes de gêneros muito diferentes estrearam este mês. Em um, a pouca
gravidade coloca seus personagens à deriva no espaço sideral. No outro, o peso
de uma globalização racista e excludente arrasta milhares de pessoas para o
abismo da intolerância, todos os anos.
“Gravidade” é um filme de Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney. A
bela produção tem efeitos especiais que aproveitam a tecnologia 3D de forma
madura. Mas ganha interesse ainda maior se comparada a outro grande filme.
Em "Terra Firme", Emanuele Crialese mostra uma comunidade tradicional
da Sicília. O modo de vida baseado na pesca está em rápida extinção. Vai dando
lugar à indústria do turismo. Complicando
as duas atividades, uma legislação que proíbe acolher imigrantes clandestinos
vindos, principalmente, da África.
No filme de Cuarón, a astronauta quase aceita a própria morte, vencida pela
tristeza de ter perdido sua filha de quatro anos de idade. Na produção de
Crialese, a refugiada etíope teima em continuar sua busca pelo marido, apesar
de toda a violência que sofreu e de um estupro que a engravidou de um
carcereiro.
Em “Terra Firme”, a refugiada leva dois anos para atravessar três países
africanos e chegar ao Mediterrâneo, para fazer uma travessia que mata centenas
de seus irmãos de cor por mês. Em “Gravidade”, a astronauta luta por sua
sobrevivência saindo de um ônibus espacial americano, abordando uma espaçonave
russa e usando uma cápsula chinesa. Tudo em questão de horas.
Em “Gravidade”, o naufrágio acaba em vitória da determinação da mulher, que
enfrenta frio, fogo e água, para tornar a contemplar o belo planeta que a
recebeu de volta. Em “Terra Firme”, a mulher com seus filhos pequenos precisa
se esconder daqueles que seriam seus irmãos de espécie. Contemplar não combina
com se ocultar.
No espaço sideral, os pedidos de socorro não são ouvidos por Houston devido a
problemas técnicos. No mar mediterrâneo, os gritos dos náufragos devem ser
ignorados pelos que poderiam recolhê-los porque a lei não permite seu
salvamento.
Os protagonistas de “Gravidade” sentem orgulho de pertencer a uma espécie capaz
de olhar seu planeta, sem enxergar outras divisões que não as marcadas por
rios, florestas, desertos, mares. Em “Terra Firme”, alguns metros separam impiedosamente
alguns poucos que podem viajar e se divertir e muitos outros a quem não é
permitido abandonar a terra que os castiga com fome e guerras.
As duas belas obras de cinema são contrastantes não só em sua temática e
elaboração estética. Mostram como uma mesma espécie pode ser tão criativa e
poderosa quanto mesquinha e covarde. Que caminho a humanidade irá seguir?
Diferente do que acontece em “Gravidade”, a vida real não autoriza esperar outro
destino senão um naufrágio cheio de agonia. Mas a atitude do jovem siciliano no
final de “Terra Firme” nos permite um mínimo de esperança em um resgate de
última hora.
26 de out. de 2013
19 de out. de 2013
Monopólios da comunicação e da violência unidos
"Reportagem do Fantástico denuncia...". Esta é uma expressão cada vez
mais ouvida nos meios de comunicação. As denúncias são muitas. “Analfabetos tinham
acesso à carteira de habilitação em esquema nos Detran...”. “Compra de
explosivos para roubar caixas eletrônicos...”. “Fraudes em concursos públicos...”.
“Esquema de licitações com cartas marcadas ...”. Estes são apenas alguns
exemplos oferecidos pela máquina investigativa do programa dominical da Rede
Globo.
Mas não é só o Fantástico. É o Jornal Nacional, a CBN, Jornal da Band, jornalões impressos, revistas semanais. Só muda o sujeito da oração e o tipo de crime que serve de predicado. O verbo é o mesmo: denúncia ou investigação. Algo que deveria estar a cargo de órgãos e autoridades públicos. Pela polícia, Ministério Público e até por parlamentares.
Claro que o jornalismo investigativo é uma das possibilidades da imprensa. Óbvio que denúncias jornalísticas podem ajudar a combater corrupção, golpes, roubos, violência, abusos. Mas quando a grande imprensa começa a aparecer como principal instituição para a apuração de delitos e crimes, algo está muito errado. Até porque o que é apenas apuração pode tornar-se facilmente processos sumários de acusação, julgamento e punição. Na grande maioria das vezes, sem qualquer direito a defesa.
E o que fazem os órgãos de segurança pública enquanto isso? Grande parte de seus agentes está diretamente envolvida com os próprios crimes que a imprensa diz investigar. Ou estão ocupados espionando, se infiltrando e reprimindo violentamente as manifestações populares.
São muito raras as vezes em que policiais, juízes, parlamentares, governantes sofrem alguma punição séria, mesmo quando vão parar nas capas dos jornais. Já a punição para lutadores e lutadoras sociais incriminados pela grande imprensa vem rápida, violenta e discreta.
O fato é que há muito pouco de jornalismo investigativo nessa história toda. As reportagens são comandadas por grandes corporações da mídia. Elas mesmas acusadas por vários crimes, principalmente contra a ordem econômica.
Na verdade, o que estamos vendo não passa de uma ação combinada entre os monopólios da comunicação e os monopólios da violência. Os primeiros tentam se credenciar como instrumentos de cidadania para melhor defender os interesses dos poderosos. Os segundos encontram no discurso dos primeiros a justificação para suas ações covardes e violentas.
No meio, apanhando e sendo criminalizados, estão os movimentos sociais e os pobres em geral.
Mas não é só o Fantástico. É o Jornal Nacional, a CBN, Jornal da Band, jornalões impressos, revistas semanais. Só muda o sujeito da oração e o tipo de crime que serve de predicado. O verbo é o mesmo: denúncia ou investigação. Algo que deveria estar a cargo de órgãos e autoridades públicos. Pela polícia, Ministério Público e até por parlamentares.
Claro que o jornalismo investigativo é uma das possibilidades da imprensa. Óbvio que denúncias jornalísticas podem ajudar a combater corrupção, golpes, roubos, violência, abusos. Mas quando a grande imprensa começa a aparecer como principal instituição para a apuração de delitos e crimes, algo está muito errado. Até porque o que é apenas apuração pode tornar-se facilmente processos sumários de acusação, julgamento e punição. Na grande maioria das vezes, sem qualquer direito a defesa.
E o que fazem os órgãos de segurança pública enquanto isso? Grande parte de seus agentes está diretamente envolvida com os próprios crimes que a imprensa diz investigar. Ou estão ocupados espionando, se infiltrando e reprimindo violentamente as manifestações populares.
São muito raras as vezes em que policiais, juízes, parlamentares, governantes sofrem alguma punição séria, mesmo quando vão parar nas capas dos jornais. Já a punição para lutadores e lutadoras sociais incriminados pela grande imprensa vem rápida, violenta e discreta.
O fato é que há muito pouco de jornalismo investigativo nessa história toda. As reportagens são comandadas por grandes corporações da mídia. Elas mesmas acusadas por vários crimes, principalmente contra a ordem econômica.
Na verdade, o que estamos vendo não passa de uma ação combinada entre os monopólios da comunicação e os monopólios da violência. Os primeiros tentam se credenciar como instrumentos de cidadania para melhor defender os interesses dos poderosos. Os segundos encontram no discurso dos primeiros a justificação para suas ações covardes e violentas.
No meio, apanhando e sendo criminalizados, estão os movimentos sociais e os pobres em geral.
Marcadores:
imprensa
12 de out. de 2013
Greve dos professores: imprensa diz uma coisa e mostra outra
A covarde repressão que se abateu sobre os professores municipais do Rio de
Janeiro nos últimos dias é vergonhosa. Mais
vergonhoso é o comportamento da grande imprensa. Com exceção do jornal Extra,
os demais se desdobram para justificar a violência de que são vítimas os
educadores.
Foram cerca de 50 dias de paralisação até que o prefeito resolvesse ouvir a categoria. Eduardo Paes apresentou como resposta às reivindicações a promessa de apresentar um plano de carreira que contemplasse suas exigências.
Os trabalhadores suspenderam a greve, mas o plano de carreira mostrou-se uma fraude. A proposta deixou de fora 93% da categoria, por exemplo. Só vale para os professores em regime de trabalho de 40 horas semanais, que são minoria.
Os educadores voltaram a paralisar as atividades. Mesmo assim, Paes enviou o projeto para a Câmara, cuja maioria é por ele controlada. Os professores passaram a pressionar o legislativo municipal. Foram recebidos a cassetete, gás de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha.
Enquanto isso, a grande imprensa faz seu costumeiro trabalho sujo. Jamais explica o que aconteceu. Não diz que o prefeito deu um golpe nos educadores. Só fala das manifestações e atividades nas editoria policial ou de trânsito. Faz tudo para jogar a população contra os trabalhadores em greve.
Em sua edição de 02/10, o Globo voltou a tratar o massacre sofrido pelos professores na Cinelândia no dia anterior como choque, confronto, conflito. Deu destaque à informação de que há vários diretores do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação são militantes políticos do PSOL e do PSTU. Então, é assim. São militantes políticos? Pau neles.
Falando nisso, os profissionais da imprensa parecem estar sendo poupados pela violência da polícia, diferente do que vinha acontecendo há alguns meses. Nada mais justo. Eles só estão trabalhando. Mas quem agradece são seus patrões, que não precisam ficar zangadinhos com o comando da PM. A porrada sobrou, mesmo, para quem luta por seus direitos.
Mas parece que chegamos a uma espécie de esquizofrenia jornalística, também. Fotos e vídeos dos próprios veículos não puderam deixar de mostrar os educadores submetidos ao tratamento mais violento. Os textos falados e escritos referem-se a “confronto”, “confusão”, “choque”. Como se os dois lados estivessem em igualdade de condições.
As imagens revelam policiais fortemente equipados e armados, agredindo trabalhadores munidos apenas de bandeiras e bolsas. Uma foto de O Globo mostrava um suposto membro do Black Block com um estilingue nas mãos. A legenda tratou a cena como um ataque à PM.
Novamente, como em junho passado, é possível sentir a revolta popular em relação às ações covardes das forças de repressão. O que preocupa é que a tendência é a polícia radicalizar sua atitude. São quase 50 anos de militarização a treinar os soldados para a repressão às forças populares.
Em 03/10, o Globo teve que mostrar o fragrante de policiais tentando incriminar manifestantes. As fotos da capa mostravam um PM fingindo encontrar rojões na mochila de um jovem estudante de 15 anos.
Na mesma página, uma nota dizia que a proposta dos educadores em greve levaria ao pagamento de salários de R$ 132 mil para professores, segundo a versão mais do que suspeita da administração Paes. Mais uma vez, as imagens mostram os crimes da polícia, de um lado, e o texto tenta justificá-los, de outro.
A grande mídia vem tentando legitimar as ações policiais. Os governos Paes e Cabral as incentivam. O governo federal se omite. São todos culpados por crimes contra a democracia.
Foram cerca de 50 dias de paralisação até que o prefeito resolvesse ouvir a categoria. Eduardo Paes apresentou como resposta às reivindicações a promessa de apresentar um plano de carreira que contemplasse suas exigências.
Os trabalhadores suspenderam a greve, mas o plano de carreira mostrou-se uma fraude. A proposta deixou de fora 93% da categoria, por exemplo. Só vale para os professores em regime de trabalho de 40 horas semanais, que são minoria.
Os educadores voltaram a paralisar as atividades. Mesmo assim, Paes enviou o projeto para a Câmara, cuja maioria é por ele controlada. Os professores passaram a pressionar o legislativo municipal. Foram recebidos a cassetete, gás de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha.
Enquanto isso, a grande imprensa faz seu costumeiro trabalho sujo. Jamais explica o que aconteceu. Não diz que o prefeito deu um golpe nos educadores. Só fala das manifestações e atividades nas editoria policial ou de trânsito. Faz tudo para jogar a população contra os trabalhadores em greve.
Em sua edição de 02/10, o Globo voltou a tratar o massacre sofrido pelos professores na Cinelândia no dia anterior como choque, confronto, conflito. Deu destaque à informação de que há vários diretores do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação são militantes políticos do PSOL e do PSTU. Então, é assim. São militantes políticos? Pau neles.
Falando nisso, os profissionais da imprensa parecem estar sendo poupados pela violência da polícia, diferente do que vinha acontecendo há alguns meses. Nada mais justo. Eles só estão trabalhando. Mas quem agradece são seus patrões, que não precisam ficar zangadinhos com o comando da PM. A porrada sobrou, mesmo, para quem luta por seus direitos.
Mas parece que chegamos a uma espécie de esquizofrenia jornalística, também. Fotos e vídeos dos próprios veículos não puderam deixar de mostrar os educadores submetidos ao tratamento mais violento. Os textos falados e escritos referem-se a “confronto”, “confusão”, “choque”. Como se os dois lados estivessem em igualdade de condições.
As imagens revelam policiais fortemente equipados e armados, agredindo trabalhadores munidos apenas de bandeiras e bolsas. Uma foto de O Globo mostrava um suposto membro do Black Block com um estilingue nas mãos. A legenda tratou a cena como um ataque à PM.
Novamente, como em junho passado, é possível sentir a revolta popular em relação às ações covardes das forças de repressão. O que preocupa é que a tendência é a polícia radicalizar sua atitude. São quase 50 anos de militarização a treinar os soldados para a repressão às forças populares.
Em 03/10, o Globo teve que mostrar o fragrante de policiais tentando incriminar manifestantes. As fotos da capa mostravam um PM fingindo encontrar rojões na mochila de um jovem estudante de 15 anos.
Na mesma página, uma nota dizia que a proposta dos educadores em greve levaria ao pagamento de salários de R$ 132 mil para professores, segundo a versão mais do que suspeita da administração Paes. Mais uma vez, as imagens mostram os crimes da polícia, de um lado, e o texto tenta justificá-los, de outro.
A grande mídia vem tentando legitimar as ações policiais. Os governos Paes e Cabral as incentivam. O governo federal se omite. São todos culpados por crimes contra a democracia.
6 de out. de 2013
O apoio do Globo às trevas da ditadura getulista
Depois de quase 50 anos, todos vimos como o Globo resolveu pedir desculpas por
seu apoio à ditadura militar de 1964. Alguns comentaristas chegaram a notar que
o jornalão carioca só se mostrou mais ágil que o Vaticano no reconhecimento de
seus erros.
Mas o diário da família Marinho também deveria lembrar outra ditadura que contou com seu apoio. Trata-se do chamado “Estado Novo”, decretado em novembro de 1937 por Getúlio Vargas.
O golpe getulista determinou o fechamento do Congresso Nacional e a extinção dos partidos políticos. Foi imposta uma nova constituição, inspirada no nazifascismo. O presidente ditador passou a ter total controle do poder executivo.
Foram nomeados interventores nos estados em lugar de governadores eleitos. As eleições presidenciais previstas para 1938 jamais foram realizadas. O legislativo tornou-se decorativo, pois Getúlio governou por decretos-lei até 1945, quando foi expulso do poder na onda antifascista do final da 2ª Guerra.
Milhares de trabalhadores, militantes políticos, sindicais e sociais foram jogados na cadeia, torturados, desaparecidos e mortos. Verdadeira carnificina, provavelmente ainda mais cruel e sangrenta que a cometida pelo regime militar de 64.
Uma das medidas adotadas foi a censura aos meios de comunicação pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). E esta foi uma boa desculpa para que os jornais da burguesia apoiassem a ditadura sem se comprometer abertamente. A única exceção foi o jornal “O Estado de S. Paulo”.
Em seu acervo eletrônico, O Globo afirma: “Na ditadura do Estado Novo, a censura impedia o posicionamento aberto da imprensa”. Mas não foi bem assim. Em sua ótima biografia sobre Getúlio Vargas, Lira Neto cita um episódio vergonhoso *.
Em julho de 1939, em pleno Estado Novo, Alzira Vargas casou-se com Ernani do Amaral Peixoto, na época interventor federal no estado do Rio de Janeiro. A cerimônia teria sido simples, mas a lua de mel foi nos Estados Unidos.
Uma nota publicada pelo jornalista Mario Tarquínio de Souza em O Globo dizia que a viagem fora paga com dinheiro público. Não há registro de que tenha havido um desmentido categórico das informações publicadas. Mas a reação do governo foi imediata. O jornalista foi demitido e preso.
O dono do jornal que publicou a denúncia também foi rápido. Segundo o que escreveu Lira Neto na página 366 de seu livro, Roberto Marinho publicou um pedido de desculpas a Getúlio, na primeira página do jornal com o seguinte teor:
“Sinto o dever de me apressar em externar a vossa excelência a minha profunda e sincera revolta contra o embuste de que foi vítima a direção de O Globo, e a própria censura policial, com a publicação de notícia estampada em alguns exemplares de uma das edições de hoje”.
Que o jornal fosse obrigado a publicar o que a ditadura determinava é uma coisa. Que seu proprietário tomasse a iniciativa de lamber as botas do ditador e de seu serviço de censura é outra.
Jorge Amado escreveu um romance sobre esta época terrível da história brasileira. Chama-se “Os subterrâneos da liberdade”. Foi nestes subterrâneos que o Globo se refugiou. Dele jamais saiu. Do interior de seu esconderijo tenebroso, continua tentando nos roubar a luz.
* “Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo”, segundo volume da trilogia biográfica sobre Getúlio Vargas, escrita por Lira Neto, Companhia das Letras, 2013.
Mas o diário da família Marinho também deveria lembrar outra ditadura que contou com seu apoio. Trata-se do chamado “Estado Novo”, decretado em novembro de 1937 por Getúlio Vargas.
O golpe getulista determinou o fechamento do Congresso Nacional e a extinção dos partidos políticos. Foi imposta uma nova constituição, inspirada no nazifascismo. O presidente ditador passou a ter total controle do poder executivo.
Foram nomeados interventores nos estados em lugar de governadores eleitos. As eleições presidenciais previstas para 1938 jamais foram realizadas. O legislativo tornou-se decorativo, pois Getúlio governou por decretos-lei até 1945, quando foi expulso do poder na onda antifascista do final da 2ª Guerra.
Milhares de trabalhadores, militantes políticos, sindicais e sociais foram jogados na cadeia, torturados, desaparecidos e mortos. Verdadeira carnificina, provavelmente ainda mais cruel e sangrenta que a cometida pelo regime militar de 64.
Uma das medidas adotadas foi a censura aos meios de comunicação pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). E esta foi uma boa desculpa para que os jornais da burguesia apoiassem a ditadura sem se comprometer abertamente. A única exceção foi o jornal “O Estado de S. Paulo”.
Em seu acervo eletrônico, O Globo afirma: “Na ditadura do Estado Novo, a censura impedia o posicionamento aberto da imprensa”. Mas não foi bem assim. Em sua ótima biografia sobre Getúlio Vargas, Lira Neto cita um episódio vergonhoso *.
Em julho de 1939, em pleno Estado Novo, Alzira Vargas casou-se com Ernani do Amaral Peixoto, na época interventor federal no estado do Rio de Janeiro. A cerimônia teria sido simples, mas a lua de mel foi nos Estados Unidos.
Uma nota publicada pelo jornalista Mario Tarquínio de Souza em O Globo dizia que a viagem fora paga com dinheiro público. Não há registro de que tenha havido um desmentido categórico das informações publicadas. Mas a reação do governo foi imediata. O jornalista foi demitido e preso.
O dono do jornal que publicou a denúncia também foi rápido. Segundo o que escreveu Lira Neto na página 366 de seu livro, Roberto Marinho publicou um pedido de desculpas a Getúlio, na primeira página do jornal com o seguinte teor:
“Sinto o dever de me apressar em externar a vossa excelência a minha profunda e sincera revolta contra o embuste de que foi vítima a direção de O Globo, e a própria censura policial, com a publicação de notícia estampada em alguns exemplares de uma das edições de hoje”.
Que o jornal fosse obrigado a publicar o que a ditadura determinava é uma coisa. Que seu proprietário tomasse a iniciativa de lamber as botas do ditador e de seu serviço de censura é outra.
Jorge Amado escreveu um romance sobre esta época terrível da história brasileira. Chama-se “Os subterrâneos da liberdade”. Foi nestes subterrâneos que o Globo se refugiou. Dele jamais saiu. Do interior de seu esconderijo tenebroso, continua tentando nos roubar a luz.
* “Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo”, segundo volume da trilogia biográfica sobre Getúlio Vargas, escrita por Lira Neto, Companhia das Letras, 2013.
Marcadores:
imprensa
Assinar:
Postagens (Atom)