Depois de quase 50 anos, todos vimos como o Globo resolveu pedir desculpas por
seu apoio à ditadura militar de 1964. Alguns comentaristas chegaram a notar que
o jornalão carioca só se mostrou mais ágil que o Vaticano no reconhecimento de
seus erros.
Mas o diário da família Marinho também deveria lembrar outra ditadura que
contou com seu apoio. Trata-se do chamado “Estado Novo”, decretado em novembro
de 1937 por Getúlio Vargas.
O golpe getulista determinou o fechamento do Congresso Nacional e a extinção
dos partidos políticos. Foi imposta uma nova constituição, inspirada no nazifascismo.
O presidente ditador passou a ter total controle do poder executivo.
Foram nomeados interventores nos estados em lugar de governadores eleitos. As
eleições presidenciais previstas para 1938 jamais foram realizadas. O
legislativo tornou-se decorativo, pois Getúlio governou por decretos-lei até
1945, quando foi expulso do poder na onda antifascista do final da 2ª Guerra.
Milhares de trabalhadores, militantes políticos, sindicais e sociais foram
jogados na cadeia, torturados, desaparecidos e mortos. Verdadeira carnificina,
provavelmente ainda mais cruel e sangrenta que a cometida pelo regime militar
de 64.
Uma das medidas adotadas foi a censura aos meios de comunicação pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). E esta foi uma boa desculpa para
que os jornais da burguesia apoiassem a ditadura sem se comprometer
abertamente. A única exceção foi o jornal “O Estado de S. Paulo”.
Em seu acervo eletrônico, O Globo afirma: “Na ditadura do Estado Novo, a
censura impedia o posicionamento aberto da imprensa”. Mas não foi bem assim. Em
sua ótima biografia sobre Getúlio Vargas, Lira Neto cita um episódio vergonhoso
*.
Em julho de 1939, em pleno Estado Novo, Alzira Vargas casou-se com Ernani do
Amaral Peixoto, na época interventor federal no estado do Rio de Janeiro. A
cerimônia teria sido simples, mas a lua de mel foi nos Estados Unidos.
Uma nota publicada pelo jornalista Mario Tarquínio de Souza em O Globo dizia
que a viagem fora paga com dinheiro público. Não há registro de que tenha havido
um desmentido categórico das informações publicadas. Mas a reação do governo
foi imediata. O jornalista foi demitido e preso.
O dono do jornal que publicou a denúncia também foi rápido. Segundo o que escreveu
Lira Neto na página 366 de seu livro, Roberto Marinho publicou um pedido de
desculpas a Getúlio, na primeira página do jornal com o seguinte teor:
“Sinto o dever de me apressar em externar a vossa excelência a minha profunda e
sincera revolta contra o embuste de que foi vítima a direção de O Globo, e a
própria censura policial, com a publicação de notícia estampada em alguns
exemplares de uma das edições de hoje”.
Que o jornal fosse obrigado a publicar o que a ditadura determinava é uma
coisa. Que seu proprietário tomasse a iniciativa de lamber as botas do ditador
e de seu serviço de censura é outra.
Jorge Amado escreveu um romance sobre esta época terrível da história
brasileira. Chama-se “Os subterrâneos da liberdade”. Foi nestes subterrâneos que
o Globo se refugiou. Dele jamais saiu. Do interior de seu esconderijo tenebroso,
continua tentando nos roubar a luz.
* “Getúlio (1930-1945): Do governo
provisório à ditadura do Estado Novo”, segundo volume da trilogia biográfica
sobre Getúlio Vargas, escrita por Lira Neto, Companhia das Letras, 2013.
6 de out. de 2013
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